Depois de ser derrubado no chão, foram pelo menos 15 socos na cabeça, desferidos com força e de forma sequencial. Apanhou por cinco minutos. Não houve chance de defesa. Os gritos de dor e os pedidos de socorro à esposa — “Milena, me ajuda!” — foram registrados pelas câmeras dos celulares. Ao lado dos assassinos, a cúmplice filmava tudo e não permitia que as pessoas interviessem para conter a barbárie. Minutos depois, o corpo estava inerte, em meio a poças de sangue, coberto por um lençol branco. João Alberto Silveira Freitas morreu asfixiado em decorrência da sessão de espancamento e tortura, diante de Milena, que nada pôde fazer. Era negro. Assim como tantos outros executados nos becos e vielas de um Brasil racista, supremacista, desigual.
João Alberto morreu duas vezes. Além de ter a vida brutalmente interrompida, o cidadão negro teve a memória achincalhada. Nas redes sociais, muitos foram os que tentaram justificar o injustificável; por pouco, disseram que ele mereceu o trágico fim. Teve quem argumentou sobre uma suposta ficha policial da vítima, como se fosse desculpa para o indesculpável. No Dia da Consciência Negra, teve gente escrachando a falta de consciência, varrendo para debaixo do tapete o racismo sistêmico que tem carcomido o nosso tecido social e aprofundado as mazelas em um país com dívidas históricas para com a população negra.
“Milena, me ajuda!”. Não foi apenas um pedido de socorro à própria esposa, mas um clamor desesperado a uma sociedade que fecha os olhos para desigualdade e a injustiça racial. Uma nação cujos principais líderes negam a existência do racismo e se dizem “daltônicos”, ao ignorarem que a cor da pele quase sempre determina a condição socioeconômica do cidadão. O grito de João Alberto foi o mesmo emitido por George Floyd (“Eu não posso respirar”), quando o policial branco pressionou-lhe o pescoço por mais de oito minutos, enquanto suas forças se exauriam, o rosto comprimido contra o asfalto de Minneapolis (EUA).
João Alberto morreu sem chance de defesa. Com ele, morreram a sensatez, o sonho da igualdade racial e do fim do discurso de ódio, a utopia de ver o Brasil abraçar os seus cidadãos e lhes oferecer o mesmo respeito e oportunidades iguais. Que os gritos de João Alberto ecoem forte no coração de tantos brasileiros e que nossa sociedade desperte. Que não haja mais espaço para tratar o cidadão negro como um excluído ou até mesmo como um animal. Que a morte de João Alberto sirva de alerta para o que a nossa nação está se tornando. E que possamos nos unir para evitar esse desastre, antes que seja tarde demais.
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