LEANDRO LIMA - presidente da Associação Brasileira de Criminalística (ABC)
O Artigo 159 do Código de Processo Penal (CCP) determina que o exame de corpo de delito e outras perícias serão realizadas por perito oficial. E a Lei nº 12.030/09 diz que são peritos oficiais os peritos criminais, os peritos médico-legistas e os peritos odontolegistas. Já o Artigo 158 do CPP diz que o exame pericial é indispensável quando a infração deixar vestígios e o Artigo 6º, em seus incisos I e II, assegura que o responsável pelo exame do local onde houve infração penal é o perito criminal.
Quando se tratar de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, conforme o parágrafo 7º do Artigo 159 do CPP. Mas, quando isso ocorre, existe hierarquia entre as provas periciais? O exame de DNA (ácido desoxirribonucleico) é mais importante que o exame papiloscópico, por exemplo? A resposta é um sonoro não.
Vamos analisar o seguinte caso hipotético: durante o exame em um local de crime, o perito criminal (responsável legal pelo exame em locais de crime) constata que o único vestígio existente, além do corpo da vítima, é uma única impressão digital impressa com sangue sobre uma mesa de vidro. Qual dos dois elementos deve ser preservado, considerando que, para a coleta do sangue, a impressão digital deverá ser destruída e, para a coleta da impressão digital, o pó usado pode inviabilizar o sequenciamento do DNA em uma amostra coletada posteriormente? Qual o mais importante, o DNA ou a impressão digital?
A resposta correta para essa pergunta depende de uma análise aprofundada. Caso a impressão digital seja da vítima e o sangue seja do assassino, o sangue é mais importante. Caso a impressão digital seja do assassino e o sangue da vítima, certamente a digital é mais importante. É por isso que o responsável pelo exame em um local de crime é o perito criminal, conforme prevê o já citado Artigo 6º do CPP. Só o perito criminal pode analisar a dinâmica do fato e coletar os vestígios que achar necessário, priorizando os que tenham maior importância no contexto do exame pericial.
Para a realização de um exame em local de crime, via de regra, não são enviados peritos criminais da balística para coletar estojos e projeteis, não são enviados peritos criminais biólogos para coletar materiais orgânicos, não são enviados peritos criminais da documentoscopia para coletar documentos, não são enviados peritos criminais dos laboratórios de química e toxicologia para coletar remédios e drogas, e assim por diante, pois todos esses vestígios são usualmente coletados pelo perito criminal responsável pelo exame.
Quando um perito entende que se trata de um exame muito complexo e foge da sua área de atuação, ele pode e deve solicitar o auxílio de outro perito criminal. É muito comum outros peritos criminais realizarem exames específicos com o objetivo de subsidiar o laudo do perito que examinou um local do crime, como o exame de funcionamento de armas de fogo, constatação de substâncias ilícitas e de resíduos de disparos de armas de fogo, dentre inúmeros outros.
Além de infringir a legislação penal, não faz o menor sentido o que tem acontecido em diversos Estados (em nove, para ser mais preciso), onde é atribuída a exclusividade da coleta de somente um dos vestígios (a impressão papilar) a outro servidor, que não o perito criminal.
Mais grave do que isso, comumente, os resultados dos exames realizados por profissionais de órgãos diferentes não se comunicam e, por diversas vezes, prejudicam o perito criminal na conclusão de seu laudo. Qual a diferença na relevância de um exame de uma impressão papilar e o de um fio de cabelo, de uma gota de sangue ou de uma maçã mordida pelo acusado? Nenhuma, pois todos são vestígios que podem identificar um indivíduo e todos compõem um exame de corpo de delito, devendo, portanto, fazer parte de um mesmo laudo pericial.
Assim sendo, não se justifica delegar com exclusividade a coleta de somente um dos vestígios, a impressão papilar, para outro profissional, o papiloscopista, como ocorre em um terço dos estados brasileiros, sobretudo se considerarmos que em outros nove estados este profissional não existe e tal tarefa é realizada pelo perito criminal. Esta deturpação injustificada na forma de atendimento a locais de crime prejudica a persecução penal, gera gastos desnecessários ao erário e compromete, e muito, o atendimento à população.
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