Técio Lins e Silva
Advogado, criminalista, ex-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), ex-secretário de Justiça do Rio de Janeiro
A sociedade por um estímulo da mídia, da emoção, com a violência, tende a responder com a proposta de endurecimento penal, desgraçadamente, é uma questão de incompreensão. Mas precisamos entender o que é a repressão penal e a história da pena. Quando a gente vê os registros, os filmes históricos de Roma, são depósitos de presos, para serem comidos pelos leões e serem executados. A pena era de morte, depois passou a ser a pena de tortura, de cortar os membros, de infringir ao condenado um sofrimento. E sempre a morte variando pela natureza do temperamento dos povos: era fuzilamento e enforcamento na Inglaterra, os franceses inventaram a guilhotina, os espanhóis tinham o garrote vil, que girava a roda para esfacelar o sujeito. Com o Humanismo, o Iluminismo com o final da Idade Média, veio um movimento para mudar isso.
E a pena privativa de liberdade é um avanço humanitário, e daí em diante, ela tem sofrido limitações, ou seja, não trabalha mais com a ideia de que o encarceramento é a principal pena, e busca alternativas. E aí, cabe um apelo aos juízes, que têm uma tendência de preferir a pena privativa de liberdade: a criatividade das penas alternativas, que são restritivas de direito, e dá trabalho para fiscalizar.
E é um engano imaginar que a solução penal resolve o problema do crime que tem origens sociais, e outras origens, que não penais. O mal da solução penal não resolve o mal da criminalidade, as pessoas têm essa ilusão. Nós temos regras e dispositivos penais, até na lei do Inquilinato porque o legislador coloca uma pena, criminaliza isso e aquilo, achando que com isso as pessoas vão parar de cometer crimes. Ora, ninguém sai à rua com o código penal, para ver se age dessa ou daquela maneira. Nós vivemos em sociedade e não cometemos crimes por outros motivos.
O risco da reforma penal, sobretudo, em momentos de violência é de se transformar em um instrumento mais encarcerador. Nós temos em torno de 800 mil presos e não temos vagas para eles, são prisões medievais. Têm presos morcego, são aquelas celas que o sujeito não tem como ficar deitado ou sentado por que não tem espaço, então eles ficam nas grades, amarrados com lençóis, e dormem pendurados. E essa situação, já terrível, ainda é fortemente agravada com a pandemia da covid-19.
Portanto, a Lei de Execução penal vigente deste 1984 é uma lei avançada, mas não foi cumprida. Ela impunha obrigações para o Estado e para o Executivo, no sentido da execução da pena. E o Estado brasileiro tem uma dívida com o cumprimento da legislação penal. A Lei de Execução tem coisas interessantes, ainda contemporânea, mas inaplicáveis, pois o Estado não se preparou. Por exemplo: a Organização das Nações Unidas (ONU) estabelece que o espaço mínimo dos presos ocupar a sua cela é de seis metros quadrados — que é pequeno — com instalações sanitárias, com camas, com o mínimo de condições para sobreviver com dignidade. Aqui não chega nem a um metro quadrado. As pessoas não se dão conta de que essa é a realidade brasileira, e encarcerar mais, é um equívoco gigantesco
A legislação brasileira vem endurecendo. Queriam até aplicar a lei da Organização Criminosa com esses vândalos, Black blocs, o sujeito sai quebrando vidraças: “Vamos aplicar essa lei que tem penas altíssimas”. O que é misturar as questões e dificuldades sociais, e não compreender as origens, querem resolver com lei penal. A gente resolve a paz social com políticas públicas em todas as áreas, não só prendendo. Quer dizer, esse mal necessário tem de ser só um mal necessário, não ser o fundamento do Estado para lidar com o desvio, com a indisciplina.
Nós somos a terceira população carcerária do mundo, estamos muito próximos de ter um milhão de presos, nas condições que estão, uma barbaridade. E na medida em que a legislação seja encarceradora, isso não tem fim. As pessoas saem piores do que entraram. Qual a solução? Estimular essas experiências de dar ao apenado condições de recuperação, aproveitar esse tempo para melhorar e não se tornar membro do crime organizado. E nós temos de estimular o Executivo a desenvolver isso e os juízes de compreenderem que a pena privativa de liberdade em si, não é a solução. Envolver a comunidade nos conselhos e todos, porque é um problema da sociedade, não é um problema só do governo.
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