Tempo perdido

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF Jornalista

Correio Braziliense
postado em 09/12/2020 00:00
 (crédito: Fernando Lopes)
(crédito: Fernando Lopes)

Pouca gente conhece em Brasília o embaixador Daniel Osvaldo Scioli, 63 anos, empresário, desportista, que foi vice-presidente da Argentina entre 2003 e 2007 e governador da província de Buenos Aires entre 2007 e 2015. Ele disputou contra Maurício Macri a presidência de seu país. Perdeu, no segundo turno, por diferença pequena de votos. É o atual embaixador da Argentina no Brasil. Trabalha muito, tem perfil executivo e cultiva a discrição. Enfrentou tranquilo a notória desavença entre o presidente de seu país, Alberto Fernandez, e Jair Bolsonaro.

Cada um agrediu seu vizinho da maneira que pareceu mais ofensiva. Bolsonaro disse que os argentinos votaram errado. Fernandez foi até Curitiba e visitou Lula na Polícia Federal. O novo embaixador não deu muita atenção às desavenças. Começou a construir consensos. Visitou pessoalmente todos os governadores do Sul do país. Abriu contatos e aprofundou convergências. Depois viajou pelo Nordeste brasileiro para conversar com governadores e estabelecer relações específicas nas áreas de comércio e turismo.

Encontrou os caminhos para chegar ao gabinete do vice-presidente da República em dezembro do ano passado. Com o general Hamilton Mourão, conversou sobre as possibilidades de os dois países desenvolverem ações comuns. Quem gosta de retornar no tempo, vai lembrar que aquela volta ao mundo que Tancredo Neves fez logo após sua vitória no Colégio Eleitoral, em 1985, terminou em Buenos Aires. Naquela ocasião, o presidente eleito, que infelizmente não tomou posse, acertou com Raul Alfonsin as bases do acordo que veio a ser o primeiro passo no sentido da criação do Mercosul.

Há uma semana, a criatividade diplomática encontrou solução interessante para colocar frente a frente os presidentes Bolsonaro e Fernandez. Os dois comemoraram o 35º aniversário do encontro entre os presidentes José Sarney (sucessor de Tancredo Neves) e Raul Alfonsin. Os dois celebraram a data — Sarney também participou do encontro —, prometeram investir em soluções para melhorar as relações entre os dois países. Brasil e Argentina vivem situações financeiras críticas. Cada um com suas dificuldades. A Argentina deverá amargar a mais profunda queda do Produto Interno Bruto dos países do G-20. O Brasil luta contra explosão da dívida, inflação incômoda e necessidade de crescer. Enfim, foi uma boa conversa entre dois antigos adversários. Fernandez, no dia seguinte ao encontro com Bolsonaro, conversou longamente com Biden.

Bolsonaro aproveitou a onda e foi até Foz do Iguaçu para ver as obras da segunda ponte entre Brasil e Paraguai, na presença do presidente do país vizinho, Mario Abdo Benitez. As conversas também foram amenas, mesmo porque as obras estão sendo custeadas pelo lado brasileiro da hidrelétrica de Itaipu. A bandeira branca foi hasteada no sul do continente. Todos querem assinar o acordo com a União Europeia, mas cada um tem suas dificuldades. O principal problema, contudo, é a situação da Amazônia e a política de confronto do presidente com os europeus, que ameaça colocar tudo a perder. É preciso pacificar a área para retomar as negociações.

O presidente Bolsonaro está diante de sua nova realidade, depois que as eleições revelaram a extensão da sua derrota. Ele poderia ter convocado uma reunião ministerial e propor novas diretrizes para seus ministros. Preferiu pacificar seu entorno. Para solucionar o debate sobre meio ambiente, o primeiro passo parece simples: demitir o ministro Ricardo Salles. Seria boa providência também mudar o responsável pelas relações exteriores. Se forem cumpridos esses rituais, o país poderá chegar mais perto do sonhado acordo com os países da Europa.

Na próxima semana, o Colégio Eleitoral nos Estados Unidos deverá anunciar o próximo presidente. O nome dele é Joe Biden. Está na hora de descer do delírio e reconhecer o fato. É também o momento de tentar recuperar o tempo perdido por fofocas, discussões estéreis e ameaças vazias. As eleições demonstraram que os extremos saíram de moda. Essencial é criar empregos, trabalhar para construir um futuro melhor e buscar o desenvolvimento.

Há muito por fazer. Depois de dois anos, o presidente aprendeu que não governa sozinho. O envolvimento na disputa pelas presidências da Câmara e do Senado pode ser erro grave. Há os antecedentes de Severino Cavalcanti e Eduardo Cunha, que comprovam o risco. Ele precisa negociar, conversar e ouvir até opositores. O contrário dessa posição provoca isolamento e eleva a crise política. Saliva é o combustível da política, dizia o saudoso Ulysses Guimarães.

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A força do nosso futuro

Izalci Lucas Senador da República pelo PSDB/DF

O que temos hoje nas áreas da educação, no desenvolvimento científico, tecnológico e na indústria de transformação confirma, mesmo, a nossa condição de país de terceiro mundo.

O reconhecimento internacional de país mais rico da América Latina não pode ser comemorado, quando nos situamos proporcionalmente aquém de alguns vizinhos também considerados como países em processo de desenvolvimento.

Se nos compararmos ao Chile, por exemplo, nos campos do desenvolvimento e geração de riquezas e que só não nos alcança em função do seu exíguo território, verificamos que é lá que se pratica a melhor educação da América do Sul, enquanto nós amargamos a classificação de pior sistema do Continente.

A situação é lamentável, mas deve nos motivar a trabalhar ainda mais, para uma melhor qualificação do nosso sistema educacional. Demonstração disso foi a vitória recente que obtivemos no Senado, não só para a educação, mas também para a ciência, tecnologia, pesquisa e inovação do país, com a aprovação do projeto de lei 172/2020 que permite o uso de recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações para a implantação de internet de banda larga nas escolas, e a melhoria da infra-estrutura de telecomunicações nas zonas rurais, fato que também contemplará as escolas localizadas naquelas áreas, cujas carências pedagógicas são ainda maiores.

Esse projeto do Fust nos motiva ao trabalho que temos pela frente em favor da nossa educação de base e do ensino técnico com qualidade para todos, ambos fundamentais para a formação profissional e da cidadania.

Do ponto de vista econômico, é chegado o momento de entendermos que a indústria tecnológica é hoje propulsora da indústria da transformação, ambas de alto potencial na geração de emprego e renda. Por esta razão, faz-se urgente a adoção de políticas públicas de fomento para as áreas de ciência e de tecnologia que incentivem a criação de polos tecnológicos regionais, como este que lançamos 10 anos atrás aqui no DF, à frente da Secretaria de Ciência e Tecnologia, que, infelizmente, até hoje, não evoluiu e poderia ter colocado a nossa capital como referência nacional do setor.

Por estas razões, já é tempo de pensarmos, por exemplo, que as exportações de matéria prima em larga escala — importantíssimas na sustentação da nossa base econômica — não podem tirar o foco da necessidade de ações políticas que incentivem o desenvolvimento industrial, para que possamos ser mais estratégicos no mercado externo. É chegada a hora de deixarmos de ser apenas um país que produz e exporta minérios, madeiras, leguminosas, frutas e carnes, mas um país que venderá produtos e alimentos para o consumo final.

Para isso, a indústria da transformação, impulsionada e incentivada por políticas públicas competentes terá o condão de transformar a nossa realidade sócio econômica, valorizando algumas das nossas “commodities”— não todas, obviamente — que seriam transformadas em produtos com maior valor agregado.

Contudo, devemos ter sempre presente que as condições que deram origem ao desenvolvimento dos grandes países tiveram origem na atenção dada por eles à educação. Exemplo disto é o Canadá, país rico, admirado pelos índices de desenvolvimento humano e que ostenta hoje alto grau de eficiência na área de TI e um dos maiores parques industriais de tecnologia do mundo.

A educação, além de responsável pelo desenvolvimento social e econômico, é a mola mestra da cidadania, gerada pelo discernimento e pela inteligência. E, a preservação de um Estado Democrático de Direito, alicerçada em um eficiente sistema educacional, nos permitirá a concretização do sonho de promovermos o Brasil à condição de país desenvolvido, rico de fato, politicamente forte e respeitado no contexto das nações. A educação, sem sombra de dúvidas, é a força de nosso futuro.

Visto, lido e ouvido

Desde 1960 Circe Cunha (interina) circecunha.df@dabr.com.br

Mãos pouco confiáveis
Sobre os episódios que levaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a julgar inconstitucional, por um placar apertado de 6 x 5, as reeleições dos presidentes da Câmara e do Senado, é preciso deixar bem claro que toda essa história não acaba aqui. Não apenas por suas repercussões em âmbito nacional, mas pelo significado dessa pretensa manobra e pelas possibilidades nefastas que tal decisão abriria no arcabouço jurídico do Estado Democrático de Direito, principalmente, no que se refere ao respeito às leis a que estão sujeitas as autoridades políticas, investidas, como estão, de responsabilidades amplas.

Ao menos para uma parcela da população brasileira, que não engoliu esse que seria um duro golpe e uma afronta contra a Carta Magna, praticada, simultaneamente, por altos figurões da República, esse é um episódio que, por sua ousadia, atentou claramente contra as normalidades do direito e da democracia. O pior nesse enredo todo é que para seu intento concorreram, cada um com sua missão específica, os Três Poderes da República.

Nenhum desses altos Poderes está isentos de responsabilidades. Os órgãos de imprensa de todo o país acompanharam de perto o desenrolar de todos esses acontecimentos e testemunham essa movimentação, mesmo antes dela extrapolar para fora dos gabinetes. Todo o terreno para a consecução desses planos foram devidamente aplanados e, pelo que deixou transparecer, havia todo um planejamento para que essas reeleições se concretizassem sem maiores traumas junto à opinião pública.

O respaldo dado pela mais alta Corte, selaria todo o enredo de modo suave e sem possibilidades de reclamos, mesmo dentro do parlamento. Desde as tratativas em casas de ministros do STF até uma série de encontros entre os políticos e o Executivo e esse com o Supremo, existiu uma espécie de triangulação de negociações que visavam um rearranjo no comando do Congresso, atendendo a interesses, distantes daqueles apontados pela Carta Maior.

Sob as luzes dos holofotes, toda discrição e comedimento eram falsamente demonstrados, criando um pseudo clima de que esse não era assunto ligado diretamente aos personagens pretendentes e, sim, postulações colocadas por algumas lideranças no melhor estilo “se colar, colou”. Não há como negar que dando a volta por fora do que estabelecia a Constituição, ao recusarem a ir pelo caminho da apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição, como seria o correto, preferiram rasgá-la, sem piedade. Juristas probos, por certo, encontraram um conjunto enorme de crimes cometidos por esses protagonistas ao longo de todo esse triste acontecimento.

Para as gerações mais novas esse é um acontecimento a ser figurado nos anais da história, como um episódio que depõe contra esses personagens e enxovalha a República. Para os mais idosos, tratou-se de um acontecimento, ocorrido em plena pandemia, e que deixa um certo grau de temor sobre o futuro do país, entregue em mãos, digamos, pouco confiáveis.

 

A frase que foi pronunciada
“Ninguém deseja mais sinceramente a divulgação de informações entre a humanidade do que eu, e ninguém tem maior confiança em seu efeito no sentido de apoiar um governo bom e livre.”
Thomas Jefferson, sobre a Constituição norte-americana


Aconteceu
Projeto Pioneiras, promovido pela BPW Brasio, apresentou uma live com Maria Inês Fontenele Mourão. Ângela Chaves, vice coordenadora da Comissão dos Direitos da Mulher, trouxe em suas perguntas à pioneira, um passado dessa cidade nascendo.


Campeão
Se existisse uma votação para o melhor servidor público do GDF em atendimento à população, Andjei Remus seria o primeiro lugar. Coordenador do Na Hora da Rodoviária, ajuda todos, sem distinção, que pedem socorro diante de burocracias. Mantém as regras, mas conforta com a atenção.


Pelas beiradas
Aos poucos, o espaço entre a Rodoviária e o Conic vai se transformando na feira que existia antes da criação da Feira dos Importados. A situação é bem difícil com o desemprego e o número de refugiados que chegam na capital.


Perigo
Por falar em Rodoviária, essa passarela está com o parapeito bastante comprometido. Veja a foto no Blog do Ari Cunha.


Rogaciano
Mas que pureza de texto, que história cativante. Nos 100 anos de Rogaciano, Nonato de Freitas faz uma homenagem diretamente da cidade do Porto, d’alémar. Veja no Blog do Ari Cunha a matéria publicada no Besta Bufana.


História de Brasília

É preciso que se saiba que os ocupantes daqueles mercadinhos jogam fora, diariamente, dezenas de caixas de verduras para que seja mantido o mesmo alto preço.
(Publicado em 20/01/1962)

 

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