Os anjos pedem socorro

A linha de frente da batalha contra o coronavírus, no mundo inteiro, é um retrato da mais completa exaustão. Médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e demais profissionais da saúde estão esgotados

Ana Dubeux
postado em 12/12/2020 21:57 / atualizado em 13/12/2020 09:27
 (crédito: reprodução )
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Recebo via WhatsApp uma daquelas fotos com vários rostos de médicas e a legenda: “The female influencer”. Faces marcadas, algumas feridas, olheiras vermelhas, com sulcos profundos, pelo uso constante e intermitente das máscaras e demais acessórios de proteção contra o coronavírus. Consigo ver através do rosto daquelas mulheres um bocado de sentimentos: cansaço extremo, resignação, orgulho, resistência, atitude. Olhando mais a fundo, percebo um pedido, um apelo, quase uma oração.

A linha de frente da batalha contra o coronavírus, no mundo inteiro, é um retrato da mais completa exaustão. Médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e demais profissionais da saúde estão esgotados. Ainda assim, correm de um lado para outro para salvar vidas, se arriscam, ficam longe da família e ainda vão para a tevê, o rádio, os jornais, as redes sociais pedir, implorar: se cuidem, evitem aglomerações, fiquem em casa, usem máscara.

Essas pessoas sentem, na pele, todos os dias, o que é a luta contra o coronavírus. Estão dizendo e mostrando desde o início da pandemia quais são as consequências do vírus para a saúde. São os únicos preocupados apenas e exclusivamente com a nossa vida. Qual a dificuldade de ouvirmos? Por que a nossa vontade mesquinha de ter uma vida de volta ao normal é mais importante do que a sabedoria adquirida por eles em tantos meses de batalha? Eles estão dizendo a todo instante, em todo lugar, no mundo inteiro: a segunda onda será pior. Em parte, porque os profissionais da saúde estão em um nível alarmante de esgotamento. Eles também precisam ser cuidados.

Fico olhando os bares lotados, as ruas de comércio popular repletas, os shoppings enchendo outra vez e procuro entender que a vida precisa fluir, as pessoas precisam voltar a consumir para gerar empregos, que os negócios não podem fechar, que o caminhar é necessário. Mas, ainda que compreenda todas essas necessidades, percebo que há algo maior negligenciado. Sob pressão dos diversos setores e também de seus próprios interesses, os políticos não farão o que se espera deles. Se o Estado não protege e não dá o exemplo, o cidadão entende o recado de que está tudo liberado. Perde a vida sem ter a noção de que há erros de toda parte, inclusive dele.

Desculpe, mas ninguém nos deu licença para brincar com a vida e, às custas de nossas alegrias momentâneas, sacrificar os que já foram muito sacrificados. O seu normal, o meu normal já não é o mesmo normal de muita gente. A normalidade de muitos, agora, é o vazio abissal deixado por uma vida que se foi. O Natal de muitos e muitos profissionais de saúde não será normal, nem de longe será normal. Portanto, é imperioso que todos nós tenhamos uma compreensão maior e menos egoísta desse processo. Não abandone quem cuida da gente.

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