Opinião

A última flor do Lácio

Assim, não será substituindo os termos gêneros masculino e feminino pela expressão gênero neutro que ensinaremos aos nossos filhos e à sociedade o necessário respeito às diferenças, principalmente às de orientações sexuais

Rodrigo Badaró*
postado em 14/12/2020 06:02

A última das filhas do latim, nosso patrimônio, cantada, complexa e, como disse Olavo Bilac, “inculta e bela”. A língua portuguesa, de beleza sem igual, não merece as agressões que tem sofrido, provocadas, principalmente, pela “natural” influência da língua inglesa, intensificada pela cultura, pelo marketing, pelo consumo da globalização americana, enfim pela pax-americana e seu legado.

O contexto social, a busca da equidade necessária para as minorias, o afastamento do preconceito impõem desafios, muitas vezes, sujeitos a erros, como a tentativa de alterar a língua pátria suprimindo o uso da terminologia gêneros masculino e feminino. Na linha de uma solução e de implementação da expressão gênero neutro, que, a meu ver, não terá o condão de melhorar as políticas públicas de igualdade e respeito, limita-se a vilipendiar a nossa mater alma, tal como o semi-analfabetismo o faz. Lesões de origem sociais que afetam nossa essência e legado linguístico.

Sem, aqui, querer trazer qualquer viés religioso, laborou, com acerto, o deputado federal Júlio César, do DF, ao recentemente propor o PL 5.422/2020, no qual sugere que o artigo 1º da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, traga a seguinte redação: “Fica proibida a substituição do gênero masculino e feminino da língua portuguesa, grades curriculares, materiais didáticos fornecidos por escolas de ensino público ou privado e concursos públicos por gênero neutro”.

É natural a evolução da língua, e não à toa verificamos, em passado recente, tratado internacional que deu origem ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, em 1990, cujos signatários são Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Todavia, é imprescindível a proteção da língua, o cuidado histórico e cultural na preservação de sua base, sob pena de grave lesão a esse patrimônio e herança que temos.

O belo e curto poema merece ser lembrado. A língua portuguesa, nossa Última flor do Lácio, nas palavras de Bilac: “Inculta e bela,/És, a um tempo, esplendor e sepultura:/Ouro nativo, que na ganga impura/A bruta mina entre os cascalhos vela.../ Amo-te assim, desconhecida e obscura,/ Tuba de alto clangor, lira singela,/Que tens o trom e o silvo da procela/E o arrolo da saudade e da ternura!/ Amo o teu viço agreste e o teu aroma/De virgens selvas e de oceano largo! /Amo-te, ó rude e doloroso idioma,/Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”/E em que Camões chorou, no exílio amargo,/O gênio sem ventura e o amor sem brilho!”

Assim, não será substituindo os termos gêneros masculino e feminino pela expressão gênero neutro que ensinaremos aos nossos filhos e à sociedade o necessário respeito às diferenças, principalmente às de orientações sexuais. Isso se dá mediante campanhas educativas, investimentos que busquem simetria econômica e de saúde, e, principalmente, por meio de uma Justiça atuante e forte, que penalize os que desrespeitem as liberdades individuais.

Que nossa amada flor, canto de Camões, estudo de Antônio Houaiss, vida de Machado de Assis, fantasia de Jorge Amado e alma de tantos outros grandes, não seja desfigurada em sua origem e formação.

*Rodrigo Badaró, advogado

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