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Desde 1960 Circe Cunha (interina) circecunha.df@dabr.com.br

Correio Braziliense
postado em 15/12/2020 21:55

Um passivo de morte para as próximas gerações

Quem quer se iludir e se encantar com os pretensos lucros imediatos que o agronegócio tem trazido para a tão festejada balança comercial pode seguir tranquilo em seu delírio. O que não se pode, em hipótese nenhuma, é destruir e comprometer irremediavelmente o bioma brasileiro, como se tem visto até aqui, às custas de monoculturas para a exportação, que remete o Brasil ao período colonial, a cinco séculos atrás, quando nosso país se inseriu, como economia complementar da metrópole, dentro do que preconizava o capitalismo mercantilista.

Esse tempo, que se pensava ter ficado num passado longínquo e que tanto exauriu nosso país em troca de lucros, que também se desmancharam no ar, está de volta. Dessa vez, potencializado por máquinas gigantescas, que aceleram o processo de degradação e de contaminação do solo. Vivemos uma revolução agrícola às avessas, com todos os malefícios que essa atividade pode render num futuro que vai chegando de mansinho, encoberto pelo manto mágico dos agrodólares.

Tão enorme quanto esse apetite pela produção agrícola são os meios usados para que essa atividade não sofra processo de descontinuidade. Na mídia, no parlamento, no governo e em praticamente todos os canais institucionais existentes, inclusive nos diversos órgãos de controle do país, todos os esforços são empreendidos para que esse tipo de agricultura arraste terras, prossiga sua marcha.

O lobby é poderoso e desafia qualquer um. A censura e a repressão contra aqueles que ousam protestar em nome do futuro são pesadas. Cientistas e pesquisadores renomados, que, há anos, estudam esse fenômeno de pauperização da nossa biodiversidade, são publicamente enxovalhados. O desmantelamento dos órgãos que poderiam fiscalizar de perto todas essas atividades perversas foi feito dentro de um plano preestabelecido para ocultar as irregularidades que, seguidamente, aconteceram. Nunca, em tempo algum, a indústria de pesticidas e de produção de espécies transgênicas, lucraram tanto.

Biomas, como é o caso do cerrado, onde o agronegócio reina absoluto, impávido e intocável vão virando cinzas. O conhecido cientista Carlos Afonso Nobre, especialista nos fenômenos do aquecimento global, há anos, alerta para o processo de savanização de extensas áreas do cerrado e das bordas da região amazônica. Segundo ele, estamos há menos de duas décadas de distância para que isso ocorra, de forma irreversível e descontrolada.

As estações secas vão se prolongando cada vez mais, com o clima úmido dando lugar ao clima de savanas e a extinção das espécies da Amazônia. “Já desmatamos 1 milhão de metros quadrados na Amazônia, cerca de 800 mil quilômetros e a região tem uma produtividade que é 1/4 a 1/5 da produtividade de um estado como São Paulo”, alerta o cientista, ao acrescentar que 70% das emissões de CO² do Brasil vem do desmatamento e do agronegócio. Estamos em rota direta contra uma tragédia anunciada.

Somados, o agrobusiness, os grileiros, os garimpeiros, os contrabandistas de madeira e minérios, juntamente com a cobertura política que recebem em várias instâncias do Estado, estão, segundo Carlos Nobre, propondo uma espécie de crime organizado que é hoje uma verdadeira potência, um “PCC Amazônico”. O pior, para esses malfeitores, é que os efeitos desse crime continuado por décadas não podem ser escondidos da população, que, todo ano, assiste ao aumento das queimadas e das ondas crescentes de calor e de estiagem.

O mais penoso é saber que esse tipo de crime ocorre, também, simultaneamente em todo o Brasil. No Sul, os vinicultores, que produzem vinhos finos, estimam em mais de R$ 200 milhões os prejuízos causados pelos defensivos do tipo 2,4-D, usados em larga escala nas lavouras da monocultura da soja e que envenenaram grande parte das parreiras naquela região, impossibilitando a produção de vinhos, justamente num momento em que aquelas áreas tinham obtido o certificado de região demarcada.

A expansão da soja na região, toda ela para exportação para a China, inviabilizou outras colheitas, o que depõe contra a qualidade dos vinhos do Sul, tornando o produto totalmente impróprio para o consumo, interno e externo. O produto final de toda essa incúria criminosa é que o aumento paulatino das ondas de calor, vai, mais e mais, conduzindo as terras brasileiras rumo a desertificação e a consequente perda de capacidade de plantio.

Quando isso ocorrer, os verdadeiros protagonistas internos e externos, terão garantido sua parte nos lucros e esse será um problema, sem solução, sine die e sem condenados, empurrado para as novas gerações como um passivo de morte.

 

A frase que foi pronunciada

“Ninguém está qualificado para se tornar um estadista que desconhece totalmente o problema do trigo.”
Sócrates, pensador ateniense


História de Brasília

Era por isto: o “sindicato” da W-4 não dá guarida a ninguém que quer negociar a preços honestos. Eles fazem os preços, recebem verduras de São Paulo e desprezam o local para que, mantendo o comércio a preço alto, e sob regime de monopólio, possam sufocar os produtores locais. (Publicado em 20/1/1962)

 

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