FEMINISMO

A busca pela equidade de gênero

''De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mesmo estudando mais, as mulheres brasileiras, maioria da população (51,7%), lideram as taxas de desemprego. Também ganham menos e passam mais tempo ocupadas com tarefas domésticas de que os homens''

Sibele Negromonte
postado em 22/12/2020 06:00 / atualizado em 22/12/2020 08:37

De tão inusitada, uma notícia veiculada na semana passada causou espanto: a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, foi multada em 90 mil euros, ou cerca de R$ 557 mil, por empregar mulheres demais em cargos de responsabilidade. A punição, imposta pelo Ministério da Função Pública, era referente a um decreto, de 2012, que exigia que as grandes cidades mantivessem a equidade de gênero com, ao menos, 40% de mulheres ou homens.

A multa foi referente a 2018, ano em que elas estavam à frente de 11 dos 16 cargos de chefia da prefeitura — ou seja, 69% do total. Anne Hidalgo comentou a punição com uma dose de sarcasmo. “Tenho o orgulho de anunciar que fomos multados”. E complementou: “A gestão da prefeitura se tornou, de repente, feminista demais. Essa multa é obviamente absurda, injusta, irresponsável e perigosa”.

Ela tem razão. Alguns até poderão defender a tese de que a direção dos serviços públicos deve refletir o perfil demográfico da sociedade. Certamente, a população parisiense não tem 69% de mulheres. Porém a história me permite discordar dessa teoria. Lá se vão séculos de opressão, de imposição do silêncio, de muita luta por direitos básicos, como estudar, trabalhar, votar, candidatar-se a cargos públicos.

Em qualquer revolução, em que se tenta reorganizar a sociedade, ideais de equilíbrio e comedimento, muitas vezes, precisam ficar em segundo plano, frente à necessidade de demolir estruturas e práticas velhas e injustas. Isso serve para as lutas atuais contra a desigualdade — de gênero, racial e tantas outras. A prefeita de Paris, recentemente reeleita, resumiu bem esse posicionamento. “Sim, para alcançar a paridade um dia, devemos acelerar o ritmo e garantir que se nomeie mais mulheres de que homens”, declarou. Em defesa dos franceses, eles deram um passo certo ao revogar, ano passado, esse retrógrado decreto, que previa a tal multa.

A luta feminina tem ganhado força. Em 2015, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, que adotou a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, a ONU Mulheres lançou a iniciativa global Por um planeta 50-50 em 2030: um passo decisivo pela igualdade de gênero, com compromissos concretos assumidos por mais de 90 países, inclusive o Brasil.

Fica o alerta de que ainda estamos longe dessa equidade. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mesmo estudando mais, as mulheres brasileiras, maioria da população (51,7%), lideram as taxas de desemprego. Também ganham menos e passam mais tempo ocupadas com tarefas domésticas de que os homens. No quarto trimestre de 2019, o rendimento mensal médio delas chegou a ser 22% menor de que o deles.

Diante da nossa realidade, ler a notícia da multa francesa me causou menos indignação e muito mais uma pontada de inveja. Afinal, como ficou claro nesta pandemia, mulheres parecem saber agir melhor em momentos de crise. Que os digam os eleitores das governantes de Taiwan, Alemanha, Nova Zelândia e Noruega, só para citar algumas das campeãs de eficiência no combate ao novo coronavírus. Espero que um dia tenhamos esse grau de maturidade política.

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