Talvez tomado pelo espírito natalino, dia desses comecei a rabiscar uns versos. “Natal sem abraço. Natal sem sorriso solto e mesa farta, sem a família reunida em estado de graça. Sem beijos e troca de olhares, sem amigo secreto e doces amizades. Sem aquela noite mágica, em que o espírito de Jesus menino nos acalenta na manjedoura da fé. Natal sem tudo isso... É, sim, amor.” Neste ano tão difícil, em que a covid-19 invadiu lares e levou quase 190 mil brasileiros, precisamos ter a consciência de que somos responsáveis por quem amamos. Todos os anos, a minha família se reúne na casa de meus avós para a noite mais feliz do ano.
Dessa vez, tivemos dois motivos para adiar o encontro. Em abril, meu querido avô fez a passagem ao plano espiritual. Sua ausência física cala-nos a alma, convida-nos ao recolhimento. Desde fevereiro, todos convivemos com a finitude da vida. A pandemia da covid-19 ensinou-nos o senso de proteção coletiva e de autopreservação.
Infelizmente, é mais do que óbvio que, na noite de amanhã, famílias estarão se aglomerando e se confraternizando. Muitas vezes misturando-se aos idosos. Junto a afagos, beijos e abraços, muitos provavelmente carregarão para a noite de Natal o coronavírus e sentenciarão os mais vulneráveis ao sofrimento e mesmo à morte. Outros se travestirão de seus dogmas políticos ou religiosos para justificar a injustificável necessidade de ignorar riscos reais à saúde. Seria absurdo sugerir que, em um único ano, todos nós adotemos uma postura mais altruísta e evitemos confraternizações capazes de espalhar um inimigo invisível que muitos de nós subestimamos?
A atriz Nicette Bruno foi protegida dentro de uma redoma durante 10 meses. Bastou a visita de um parente para que apressasse o seu fim. Os mesmos negacionistas que creem que a vacina transformará o homem em jacaré (quanta bobagem!), reprogramará o DNA humano (que sandice!) ou implantará um chip (bela tolice!) recusam-se a usar máscara, lotam bares e, provavelmente, farão reuniões familiares gigantescas, amanhã, como se não houvesse um amanhã. A fatura terá de ser paga nas próximas duas semanas. E custará caro demais para todos os brasileiros: hospitais prestes a entrarem em colapso, cemitérios abarrotados de sepultamentos, luto, dor, saudade e, principalmente, remorso.
Neste ano, Natal sem abraço, sem sorriso solto e sem família reunida em estado de graça, também é amor. Talvez seja, ainda, uma tácita demonstração de respeito e de cuidado pelo próximo. A pandemia não acabou. A vacina segue como realidade distante do Brasil e é a única arma capaz de nos oferecer a mínima sensação de segurança. Que cada um de nós pense sobre a exata responsabilidade em tempos tão difíceis. . Feliz Natal!
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