Racismo e desigualdade são estruturais no Brasil

Viridiano Custódio de Brito*
postado em 26/12/2020 11:22
 (crédito:  Amaro Júnior/CB/D.A Press)
(crédito: Amaro Júnior/CB/D.A Press)

No período da escravatura, a legislação dava aos escravos tratamento mínimo. Sofrimentos e humilhações já começavam na travessia do Atlântico a caminho do Brasil. No entanto, nem mesmo essas normas eram respeitadas. Na prática, o tratamento dado aos escravizados podia se equiparar ao dado a animais. Chegados ao Brasil, eram levados e mantidos em um entreposto comercial, denominado como “Valongo”, onde era feita, de maneira legal, a negociação dos escravos.

Durante a permanência, os negros eram submetidos a um período de engorda, pois a viagem causava grande desgaste físico e mental. Tanto sofrimento influenciava na aparência, dadas as péssimas condições de higiene, alimentação precária e outros maus tratos. Os escravizados chegavam doentes e atrofiados. Se fossem vendidos imediatamente, a aparência debilitada comprometeria o negócio, reduzindo os lucros dos traficantes.

Por esse motivo, os escravizados, nos primeiros quinze dias, eram tratados com boa alimentação, obrigados a fazer exercícios, para aumentar a flexibilidade e escamotear problemas como artrose, adquiridos na travessia. Tudo para recuperar a saúde e o bem-estar e minimizar as sequelas do tratamento desumano. Também eram aplicados óleos por todo o corpo, para esconder as cicatrizes, devolvendo-lhes o brilho, sendo os dentes escovados com raízes, para ficarem mais claros, promovendo condições para agradar aos compradores.

Em muitos casos, até então parentes escravizados permaneciam juntos, mas, no momento da venda, eram separados, vendidos para escravistas de cidades e regiões diferentes. Essa prática trazia sofrimento adicional e era usada para misturar as etnias, dificultando a comunicação entre os negros e, assim, reduzindo a possibilidade de rebelião.

A barbárie e o genocídio praticados por escravagistas contra povos negros africanos repercutem até hoje, na sociedade brasileira, na desigualdade entre brancos e negros (pretos e pardos) e revelam o racismo no campo da educação, do trabalho e nos índices de violência e mortes.

Segundo dados estatísticos divulgados pelo “Portal Geledes”, a proporção de homicídios de jovens, desde 2002, sempre teve os negros como as maiores vítimas. E, apesar de negros/as comporem pouco mais da metade da população brasileira, eles são a maioria em mortes por doenças e pela violência, resultado em aproximadamente 75% dos casos. Essa realidade se deu por dois processos concomitantes: de 2002 para cá, caiu em 33% o número de homicídios de jovens brancos, ao passo que cresceu em 23,4% o número de homicídio de jovens negros.

Pode-se afirmar também que a condição de saúde oferecida à população negra revela o racismo estrutural. A comprovação desse dado vem do pouco investimento em pesquisas de doenças que são prevalentes na população negra, como a anemia falciforme.

E outro fator que reforça esse processo histórico de desigualdade está no atual quadro da Covid-19, em que o isolamento e a higiene, nas comunidades, não são possíveis, colocando pretos e pobres em situação de risco no Brasil.

Estudo feito por pesquisadores da “PUC-Rio” e divulgado no último dia 27 de maio, deste ano, evidencia ainda mais essas disparidades. Em termos de óbitos pela covid-19, pessoas sem escolaridade têm taxas três vezes maiores (71,3%) em relação àqueles com nível superior (22,5%). Combinando raça e índice de escolaridade, o cenário fica ainda mais desigual: pretos e partos sem escolaridade morrem quatro vezes mais pelo novo coronavírus do que brancos com nível superior (80,35% contra 19,65%). Considerando a mesma faixa de escolaridade, pretos e pardos apresentam proporção de óbitos 37% maior, em média, do que brancos.

Os dados deste artigo demonstram o racismo estrutural. Mesmo após 130 anos da Lei Áurea, o Estado brasileiro pouco fez para a promoção de políticas públicas quanto a educação, saúde, emprego e cultura voltados para a inclusão integral da população negra na sociedade. E ainda com agravante, nos últimos quatro anos, o que estamos percebendo é um retrocesso de políticas adotadas por governos anteriores.

Hoje, a união do povo negro é urgente e imprescindível para enfrentar o racismo estrutural enraizado na sociedade brasileira e também contra o retrocesso que está tomando fôlego na política nacional. A força tem que ser multiplicada na crise, e o povo negro, esse guerreiro, deve seguir focado para manter as conquistas e avançar na mudança histórica, por um Brasil sem racismo e com condições de igualdade para todos e todas.

*Formado em história (UPIS), com especialização em história da África e dos afrobrasileiros (UnB); ex-secretário de Promoção da Igualdade Racial do Governo do Distrito Federal.

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