À espera de 2021

ARMANDO CASTELAR Economista, coordenador da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV)

Correio Braziliense
postado em 29/12/2020 23:02 / atualizado em 29/12/2020 23:07
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)


2020 foi difícil, por muitas razões. Ainda que não a mais importante, claro, a dificuldade de fazer previsões econômicas foi uma delas. No começo, havia um otimismo cauteloso, fruto da reforma da Previdência, da queda dos juros, do orçamento dentro do teto de gastos e da expectativa de mais avanços na agenda de reformas. Quando a pandemia chegou, em meados de março, subestimou-se seu impacto, esperança que logo deu lugar a grande pessimismo quanto ao Produto Interno Bruto (PIB). Esse foi depois amenizado pelos fortes estímulos fiscais, que, por sua vez, geraram renovadas preocupações com a dinâmica da dívida pública.

O ano fecha com os analistas escaldados com tantas idas e vindas, em um ambiente em que a saúde pública segue sendo o principal determinante de para onde vai a economia. Isso talvez explique as previsões algo pessimistas para a atividade econômica que se veem para 2021.

De acordo com o boletim Focus, do Banco Central (BC), a projeção mediana de mercado é que o PIB cresça 1,1% no último trimestre de 2020, com o ano fechando com queda de 4,4%. Para 2021, a expectativa é de alta de 3,5%. Parece um resultado bom, mas 2,8 pontos percentuais dessa alta refletem o carregamento estatístico: isto é, o fato de o PIB terminar 2020 bem acima da média do ano. Assim, a previsão é de que, depois de alta de 1,8% no primeiro trimestre, o PIB cresça em média 0,4% ao trimestre no resto de 2021. O PIB fecharia em 2021 menor do que dois anos antes.

Por trás dessa dinâmica está o fim do auxílio emergencial, que, em 2020, mitigou a queda do consumo das famílias, que ainda assim deve cair 6%. Creio, porém, que essas previsões subestimam o impacto expansionista da vacina. Esta deve levar a forte expansão do setor de serviços, a começar pela volta às aulas nas escolas públicas, puxando o emprego e a atividade no segundo semestre. Assim, não seria surpresa se o PIB crescesse perto de 5% em 2021. Por outro lado, os analistas de mercado parecem otimistas quanto à trajetória da inflação e da taxa Selic em 2021, quando estas variáveis devem gerar muito mais debate do que neste ano.

A queda de 5% na atividade de serviços este ano fez com que os preços nesse setor subissem pouco em 2020 (cerca de 1,8%). A pandemia e as eleições também puxaram a inflação de preços administrados para baixo (cerca de 2,5% em 2020), com o adiamento de altas em itens como planos de saúde, mensalidades escolares, passagens de ônibus e combustíveis. Tudo isso mitigou o impacto inflacionário da desvalorização cambial e da alta nos preços das commodities, em especial no primeiro semestre, quando o IPCA subiu 0,1%, contra elevação esperada de 4,3% na segunda metade do ano.

É fácil ver que, no primeiro semestre de 2021, a inflação acumulada em 12 meses vai subir, conforme saiam da conta os números bem comportados do primeiro semestre deste ano. A previsão do Focus é de que, nessa métrica, o IPCA suba em torno de 6% em meados de 2021, caindo depois para fechar o ano em 3,3%. Isso significaria sair de uma inflação média de 0,36% ao mês em 2020 para 0,27% ao mês em 2021, quando se espera alta bem mais forte de preços administrados e de serviços.

Preocupa-me, nesse sentido, que a retomada nos serviços vai ganhar fôlego justo quando a inflação em 12 meses estiver girando em torno de 6%. Difícil o BC impedir, apenas por meio de sua comunicação, que essa taxa, repetida por meses, não contamine as expectativas. Assim, acho que, ou a inflação de 2021 vai surpreender outra vez para cima, superando de novo a meta, ou o BC terá de começar a subir os juros antes de agosto de 2021, como preveem os analistas de mercado. E também que até o final do ano será preciso subir a Selic além do que projeta o mercado: 3,25%, contra 2,00% hoje.

2021 deve registrar resultados favoráveis nas contas externas, com um saldo comercial elevado e maior entrada de capitais estrangeiros. As contas públicas seguirão sendo motivo de preocupação, mas a tendência é de queda significativa no déeficit primário e uma conta mais baixa de juros sobre a dívida pública. O real deve se valorizar um pouco, ficando a maior parte do ano abaixo dos R$ 5,25 /US$ atuais. O mercado de trabalho seguirá mal, mas com uma melhora importante na segunda metade do ano. Haverá pouco avanço na aprovação das reformas, com o debate político focando cada vez mais nas eleições de 2022. Dito tudo isso, e mais importante, espero que a vacina nos livre da covid e permita a todos, em 2021, um ano bem feliz!

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"Não ressuscite por nenhum motivo. Não tem por que você passar nervoso"

Marco Aurélio de Carvalho Advogado, formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, inscrito na OAB- SP e na OAB- DF, atualmente sócio da CM Associados, São Paulo. Sócio fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e do Grupo Prerrogativas

As palavras acima pertencem a uma poesia do chileno Nicanor Parra, também poeta e irmão de Violeta Parra. O poema fala do sentido da vida e abraça aqueles que perderam pessoas inesquecíveis. Apesar do tom sarcástico, a frase tem o poder de evocar aqueles seres humanos queridos que, nas plagas celestiais, ficariam desgostosos ao olhar para o plano terreno e constatarem o rumo que as coisas tomaram.

Neste final de dezembro, ano em que quase 200 mil brasileiros perderam a vida pela covid-19, a força da memória traz para o presente a figura ímpar de Sigmaringa Seixas, o nosso Sig, advogado, parlamentar e brasileiro da melhor estirpe, que nos deixou precocemente no natal de 2018. Na trajetória de construir um país com oportunidades iguais para todos, respeitar e restaurar direitos, o advogado que brilhou na Constituinte se tornou referência de liderança.

Sig destacou-se pelos exemplos de diálogo, cordialidade e de extrema responsabilidade com o bem comum. Atributos que — diga-se de passagem — têm sido cada vez mais escassos na paisagem nacional, obrigando brasileiros e brasileiras, diuturnamente, a conviverem com cenas constrangedoras de falta de liturgia republicana, de ausência de civilidade e com ameaças perigosas para a nossa jovem democracia. daquele triste dia 25 de dois anos atrás, aos dias de hoje, o exemplo de Sig esparramou esperanças e inspirou novas veredas de luta.

O Grupo Prerrogativas, fruto da união de juristas e advogados, dos mais diversos espectros, é um filho da fecunda herança deixada pelo ativista dos direitos humanos. Não por acaso, Sigmaringa Seixas é o patrono do Prerrogativas. Patrono que nunca se escondeu na conveniência do silêncio e que abraçou resolutamente a bandeira do Estado de direito face ao voluntarismo de parte do sistema judiciário e dos arroubos autoritários expostos pelas novas configurações políticas pós-impeachment.

Em 2020, o grupo promoveu mais de cinquenta lives e conferências virtuais com a temática central de continuar alertando para os perigosos desvios do arcabouço jurídico quando, sob a roupagem da imparcialidade, fica entrelaçado a cada movimento do ponteiro do relógio eleitoral. Em outra frente, o grupo, em homenagem ao seu inesquecível patrono e inspirador, publicou O Livro das suspeições, com 34 artigos originais de juristas e advogados que atuaram na Lava-Jato.

A obra disseca os bastidores de uma operação fundamentada em atos incompatíveis com as regras do jogo democrático. Por feliz coincidência, no encerramento do ano, chega às livrarias este lançamento auspicioso para a necessária e esperada correção de rumos das instituições brasileiras. Certamente, teria em Sigmaringa um leitor atento e arguto perante uma obra que, longe do deslumbramento, e de forma pioneira, esmiúça a operação Lava-Jato com especial felicidade. A versão digital foi prestigiada por mais de 500 mil leitores. Número realmente significativo e revelador da qualidade do livro e do interesse que despertou. Inúmeros exemplares serão distribuídos para os tribunais superiores, para faculdades de direito e para bibliotecas públicas.

Recentemente, uma outra obra foi aplaudida por parte da imprensa como fruto de uma visão desapaixonada e “isenta” sobre a operação. Como se assim não fossem as reflexões oferecidas desde o início de 2014 por juristas como Lenio Streck, Juarez Tavares, Weida Zancaner e Pedro Serrano. Fabiana Alves Rodrigues, juíza federal, é a autora deste importante livro: Lava-Jato: aprendizado institucional e ação estratégica na Justiça. Fabiana produziu um alentado e minucioso levantamento sobre uma série de vícios e distorções que produziram informações manipuladas, omissões graves, voluntarismo e que culminaram em ingerências no processo eleitoral.

Em um trecho, a autora aponta que a narrativa midiática dos operadores da Lava- Jato alardeava uma corrupção generalizada a partir de contratos da Petrobras. “Ao pressupor que esse diagnóstico está correto, depara-se com um problema adicional relacionado ao funcionamento da democracia, que envolve o deficit de legitimidade quando alguns integrantes do sistema de Justiça definem de forma cirúrgica qual parcela da corrupção sistêmica será priorizada”, sublinha a juíza e pesquisadora.

Visto que o perfil da operação foi um “recorte seletivo”, uma das conclusões do livro aponta na direção de que dificilmente as consequências da Lava-Jato produzirão resultados duradouros “à corrupção sistêmica que se afirma existir no país”. Com a seletividade de alvos, rasgaram-se os princípios da imparcialidade e da isenção. E emergiu o poder discricionário da toga, sem limites e sem regras, que permeou toda a cronologia engendrada pela chamada “República do Paraná”.

Curiosamente, o caminho trilhado pelos agentes públicos na Lava-Jato remete ao embate entre o ministro Jarbas Passarinho, de origem militar, e o vice-presidente Pedro Aleixo, em dezembro de 1968. Ao se manifestar na reunião ministerial que aprovou o Ato Institucional número 5, Passarinho falou de forma soberba: “Às favas, sr. presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”. Felizmente, outros brasileiros, resistem e resistiram ao arbítrio. Sigmaringa foi um deles, comprometido com princípios, premissas e valores do Estado de direito e da plena democracia.

Neste dezembro enlutado e vazio, tempos de medo e espanto, sua falta é ainda mais sentida. Mas, o exemplo de sua vida continua a nos mover e a nos iluminar com coragem e esperança. Que, em 2021, com a esperada e necessária reacreditação de nosso sistema de Justiça, o rastro luminoso de sua linda e marcante passagem pela terra possa nos conduzir e confortar. Sigmaringa... presente! Hoje, e sempre. Ele continuará vivendo no melhor de cada um de nós.

Visto, lido e ouvido

Desde 1960 Circe Cunha (interina) // circecunha.df@dabr.com.br

A terra é sagrada

Quando muitos afirmam, e com toda a razão, que parte do agrobusiness, por sua concepção altamente mercantilista, não produz, necessariamente, alimentos, e sim, lucros fabulosos aos seus proprietários diretos, a sentença apresenta não apenas uma verdade absoluta, como induz também à certeza de que tamanha mina de ouro deixa um passivo comprometedor para o futuro de várias gerações, na forma de sucateamento dos recursos naturais.

Fosse apenas esse o lado tenebroso, o problema teria a solução amainada pela racionalização da produção, contemplando, ao mesmo tempo, a preservação do meio ambiente e a produção de alimentos. Ocorre que, pela aparente disponibilidade de terras e pelo jeito pouco patriótico com que autoridades lidam com a questão, uma parte do agronegócio poderá render não apenas ovos de ouro, mas a própria galinha poedeira, na forma de aquisição, pelos grandes produtores estrangeiros, de um quarto das terras agricultáveis do Brasil.

Essa é a típica história que já havia sido anunciada previamente a todos, com seus desdobramentos e possíveis consequências para a integridade do país e da própria nação, numa afronta direta à Constituição. O que essa história anunciada também já previa, é o estabelecimento de enclaves estrangeiros e autônomos, dentro do território nacional.

Não fosse essa uma facilidade ou negócio da China aberta pelo próprio Poder Legislativo, era certo que tal proposta iria merecer, de imediato, uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), dada a delicadeza da questão. Mas, como estamos mergulhados num pesadelo pandêmico que parece não ter fim, tudo vai sendo materializado, enquanto os brasileiros dormem.

A aprovação, pela Câmara Alta, de um projeto autorizando a compra de até 25% da área correspondente a uma cidade, por pessoas ou empresas estrangeiras, irá facilitar a exploração de propriedades rurais, mesmo que não residam no país, ampliando o acesso tanto ao arrendamento quanto a compra, por pessoas físicas ou jurídicas. Justificando seu projeto, o senador Irajá (PSD-TO) acredita que a proposta irá possibilitar o ingresso e fixação de agroindústrias transnacionais no Brasil.

Mesmo que, a princípio, a proposta vete a posse de terra por tempo indeterminado, na prática, o que se está estabelecendo, a priori, é a abertura das porteiras da grande fazenda Brasil, para a entrada do que seriam os novos colonizadores, dentro da eterna perspectiva do Brasil colonial e monocultor, como permanecemos desde o século XVI.

Cláusulas abstratas, do tipo “função social da propriedade”, “preservação do meio ambiente” e outras disposições aleatórias servem, nesse projeto, apenas para emprestar alguma maquiagem ambientalista e atual a um projeto que, por sua concepção original, apenas introduz, de forma disfarçada, a venda e entrega de parte do país à exploração estrangeira, numa época em que os recursos naturais vão rareando em todo o planeta.

Através da comprovação, na prática e no estômago, que o maior produtor de proteínas do planeta, que somos, vende internamente a carne de primeira ao preço do bacalhau norueguês, dá para sentir como será o futuro dos brasileiros ao entregar seu chão para a exploração daqueles que sempre nos exploraram.

 

A frase que foi pronunciada

“O objetivo final da agricultura não é o cultivo de safras, mas o cultivo e o aperfeiçoamento dos seres humanos.”
Masanobu Fukuoka, falecido em 2008, foi agricultor e microbiólogo japonês e escritor


Depois de tudo
Se deu certo, a população não tem a informação. Interrupções das obras para a transposição do Rio São Francisco, discussões em comissões, protestos, defesas. O assunto que tomou uma boa fortuna dos cofres da União morreu.


Investigação
Faz tempo que a então senadora Marta Suplicy lutou para tirar a gordura hidrogenada dos alimentos no Brasil. O PLS 478/2015 não vingou. O caso é mais grave do que se imagina. Se a profissão de investigadores de alimentos fosse levada a sério neste país, as surpresas seriam aterradoras. Inclusive de alimentos para celíacos, diabéticos e hipertensos.


Tristeza
Houve, no Senado, uma discussão sobre a Lei de Abuso de Autoridade, em que a hermenêutica não configuraria crime de abuso. Isso só acontece onde a lei deixa margem a interpretações. Pior que isso são as artimanhas para desviar a atenção da população para o que realmente significam as letras da lei. Criam fantasmas, pintam de amarelo, e a população finge que vê.


História de Brasília

Todos os ministérios estão sendo observados e mostraremos ao público as razões pelas quais não se transferem. Até amanhã, às 21 horas, na TV Brasília.
(Publicado em 21/01/1962)

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