ARTIGO

O amargo prejuízo da insensatez diplomática e o 5G

Não há cabimento nas alegações sobre a proibição de produtos chineses, sob justificativa referente à segurança nacional. Esta preocupação deve ser permanente e se aplica a produtos e equipamentos advindos de quaisquer nações

Vivien Mello Suruagy*
postado em 31/12/2020 06:00
 (crédito: Gabriel Bouys/AFP)
(crédito: Gabriel Bouys/AFP)

A diplomacia brasileira, independentemente do governo e do partido no poder, incluindo o período do regime militar, sempre se destacou por seu elevado nível e respeito aos princípios da tolerância, credo, ideologia, etnia e autodeterminação das nações. Não é sem razão que mantemos relação amistosa e fraterna com todos os povos, representados, aliás, em nossa pluralista sociedade, pois sempre estivemos abertos a fluxos imigratórios. É temerário romper essa tradição, com discursos e afirmações sem prova ou fundamento contra quaisquer países.

Tal atitude é mais grave quando o alvo é simplesmente o maior parceiro comercial do Brasil, ou seja, a China, destino de 28,1% de nossas exportações em 2019, quando lhe vendemos o equivalente a US$ 62 bilhões e tivemos superavit de US$ 27,6 bilhões na balança bilateral. O valor dos embarques a Pequim é duas vezes maior do que o relativo ao do segundo colocado, os Estados Unidos, responsáveis por 13,1% do total, e supera também os 16,3% referentes ao conjunto dos países da União Europeia.

Em 2020, em meio a uma das mais graves pandemias enfrentadas pela humanidade, a China destacou-se ainda mais como o principal mercado externo do Brasil. Nos 10 primeiros meses, a soma de negócios entre ambos alcançou US$ 85 bilhões, sendo US$ 58,4 bilhões de exportação e US$ 27,4 bilhões, importação. Ou seja, US$ 26,6 bilhões de saldo positivo a nosso favor.

Fica muito claro que os prejuízos para a economia nacional transcendem em muito à questão da implantação do 5G no Brasil, epicentro da surpresa diplomática em pauta. Obviamente, o significado da China para o comércio exterior brasileiro não será o fator que determinará a aquisição de sua tecnologia. Compraremos a que melhor atender às nossas necessidades e peculiaridades. Porém, hipóteses sem fundamento não podem excluir tacitamente o país asiático ou qualquer outro da saudável disputa. Aliás, as acusações feitas a Pequim podem ter conotação grave se um sistema de outra nação acabar sendo o vencedor, gerando suspeita de falta de isenção no processo.

Entendido o risco dessas intempestivas atitudes para nossa economia, cabe avaliá-las, também, sob a ótica específica do 5G, relevante para a retomada do crescimento, inserção mais competitiva do país no contexto global, digitalização crescente das atividades e ingresso na Quarta Revolução Industrial. Assim, as decisões sobre o tema devem ser pautadas, exclusivamente, pelas vantagens técnico-econômicas.

Com a nova tecnologia, mais pessoas poderão estar conectadas simultaneamente, com maior velocidade de navegação em dispositivos móveis. As empresas ganharão nova e eficaz ferramenta para impulsionar negócios, reduzir custos e multiplicar a produtividade. A navegação na Web será até 100 vezes mais rápida. Poderemos baixar filmes nos celulares em menos de três segundos. O consumo de energia será menor e as baterias durarão muito mais, em sintonia com os preceitos da economia sustentável.

O 5G representará um salto em direção à inteligência artificial, à internet das coisas, entregas de encomendas por drones, carros autônomos, identificação facial de criminosos por meio de sensores em postes, cirurgias à distância, automatização do agronegócio, vídeos-chamadas em 3D, cidades e eletrodomésticos inteligentes. Deverá gerar negócios de US$ 11 trilhões em 2025, conforme estimativas da consultoria Mckinsey & Company.

Contudo, para contarmos com esses avanços, alguns obstáculos precisam ser vencidos. A tecnologia é cara e a infraestrutura, dispendiosa. Tudo se torna mais crítico quando falamos da necessidade de manutenção da saúde das empresas, abaladas pela crise provocada pela pandemia da covid-19. Em todo o mundo, os distintos mercados enfrentam complexas turbulências. Nesse cenário, torna-se premente reduzir despesas para converter o escasso volume de capital atualmente disponível em investimentos e geração de empregos, ampliando a conectividade brasileira. Tal desafio traduz-se, dentre outros requisitos, em não termos um leilão arrecadatório e restritivo, pois isso limitaria determinados fornecedores e tecnologias.

Portanto, não há cabimento nas alegações sobre a proibição de produtos chineses, sob justificativa referente à segurança nacional. Esta preocupação deve ser permanente e se aplica a produtos e equipamentos advindos de quaisquer nações. Todos os fornecedores, independentemente da origem, têm comprovado até o momento serem fiéis ao pressuposto da soberania do Brasil. Seria uma falta de critério restringir a participação chinesa ou de qualquer outro fornecedor por razões infundadas, pois o impacto seria grande nos custos, que aumentariam, prejudicando toda a economia, num pernicioso efeito em cascata, considerando a imensa importância da internet e das telecomunicações.

Muito mais relevante e prudente do que restringir a competição é cuidar da qualidade do sistema e boas práticas e exigir equipamentos importados legalmente e certificados pela Anatel. Também são fundamentais a qualidade da mão de obra e a garantia da segurança das redes. O Brasil necessita, sim, de empresas sérias, que continuem resguardando a segurança nacional e contribuam para a digitalização dos processos. Tais avanços são decisivos para inserir nosso país na vanguarda do 5G, ao lado das nações mais civilizadas e desenvolvidas e de seus principais competidores no comércio internacional. Que prevaleçam a lucidez e isenção, marcas históricas da diplomacia brasileira!

*Engenheira, é presidente da Federação Nacional de Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra)

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