Artigo

Visão do Correio: Volta às aulas

"A decisão dos governantes não pode ser baseada apenas na vontade ou motivada por pressão de setores atingidos economicamente pela pandemia. É essencial pensar na situação dos professores, muitos dos quais estão entre os grupos de risco"

Desde meados de novembro, o país enfrenta a segunda onda, ou repique, da pandemia do novo coronavírus. Nas últimas semanas, a taxa média de óbitos passou de 800 vítimas a cada 24 horas. Apesar do recrudescimento da contaminação, governos federal e estaduais decidiram que a volta às aulas ocorrerá no início de 2021 — em algumas unidades da Federação, há data marcada. No começo deste mês, o Ministério da Educação recuou da decisão de reabrir as universidades públicas no início de janeiro.

Reitores divergiram do ministro Nelson Ribeiro e ponderaram a falta de segurança sanitária para o retorno dos estudantes, considerando o agravamento da crise na saúde. Nova portaria foi editada e os estabelecimentos de ensino superior deverão reabrir em 1º de março, com a ressalva de que o ensino virtual poderá ser mantido, e o retorno dependerá da situação da epidemia no momento.

“Temos, agora, um horizonte mais realista, cumprindo os protocolos de biossegurança e garantindo o retorno seguro e gradual, de acordo com as normas das autoridades locais”, declarou o diretor-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Celso Niskier, satisfeito com flexibilização do MEC.

Não importa em que estágio estejam os índices de contaminação e mortos, número de leitos disponíveis, os governantes querem a reabertura das escolas no primeiro trimestre. Em alguns estados, o modelo híbrido, que combina aulas presenciais e remotas, será mantido, como em Minas Gerais. Em outros locais, os estudantes voltarão às unidades de ensino em número menor, mas, ainda assim, estarão dentro do ambiente escolar.

A vacinação em massa não ocorrerá na dimensão esperada. O presidente da República avisou que não haverá doses para todos os cidadãos no primeiro momento. A imunização deverá se estender por todo o próximo ano. A previsão está condicionada à quantidade de vacinas que o poder público conseguir obter dos laboratórios.

Há, portanto, várias condicionantes, além dessas, para que o ambiente escolar seja seguro para crianças e jovens, que serão os últimos, pelo Plano de Imunização Nacional, a receberem a vacina. Em alguns países, como Israel, ao primeiro sinal de arrefecimento da crise sanitária, o governo reabriu as escolas. O impacto foi terrível, com o aumento do número de infectados e de pacientes nos hospitais, o que levou o governo a recuar.

Cautela e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém, ensina a sabedoria popular. É lamentável que milhares de crianças e jovens, sobretudo aqueles das camadas mais empobrecidas da sociedade, tenham perdido o ano letivo de 2020. Não tiveram aulas virtuais, seja por falta de equipamento, seja por não ter acesso à internet.

Sem dúvida, foi um grande atraso, mas estão vivas e prontas para recuperar o tempo perdido. Outros, em nível universitário, viram o sonho da formatura derreter. Terão de ficar mais um semestre na faculdade para receber o ambicionado diploma. Porém, estão vivos e aptos a retomar a trajetória de onde pararam.

A decisão dos governantes não pode ser baseada apenas na vontade ou motivada por pressão de setores atingidos economicamente pela pandemia. É essencial pensar na situação dos professores, muitos dos quais estão entre os grupos de risco. O momento impõe prudência e racionalidade para que a crise epidemiológica seja contida, e não ampliada entre aqueles que, até o momento, não foram alvo do vírus. A volta às aulas é vital, mas com segurança total.