ARTIGO

O trabalho na próxima década

Tudo indica que, ao longo da década, surgirão movimentos para aumentar a participação do trabalhador nos resultados das empresas e da própria economia de cada país. Estou confiante. Teremos muitas boas novidades no campo do trabalho

José Pastore*
postado em 01/01/2021 06:00
 (crédito: AFP)
(crédito: AFP)

Começa, hoje, uma nova década. O que será do trabalho humano? O trabalho tem passado por grandes transformações em decorrência das novas tecnologias. No início, os analistas se preocupavam em determinar o balanço entre empregos destruídos e empregos criados. Hoje, a preocupação maior é com as transformações que ocorrem nas várias profissões, emergentes e declinantes. Disso decorre a inadiável necessidade de educar os trabalhadores de modo a prepará-los para requalificações ao longo de toda a sua vida profissional.

É claro, muitas atividades continuarão demandando trabalhadores de qualificação limitada. Mas, ao longo da nova década, esse grupo será declinante. O que exige mais qualificação, será crescente.
Li dois estudos recentes sobre o assunto: The work in the future, Cambridge: MIT Work, 2020 e The future of jobs report, Genebra: World Economic Forum, 2020. Em ambos há um posicionamento otimista segundo o qual, ao longo desta década, a entrada das novas tecnologias criará muitos empregos ao lado dos destruídos. O balanço será positivo.

Mas, nesses estudos, há o reconhecimento da ocorrência de dois problemas no processo de destruição-criação de empregos. O primeiro refere-se ao hiato temporal que ocorre entre a destruição e a criação — o timing. O segundo refere-se ao ajustamento das habilidades requeridas pelos empregos criados – o matching.

Quando há um hiato temporal muito longo entre a destruição e a criação de qualquer tipo de trabalho, os trabalhadores ficam desempregados ou trabalhando de forma precária no mercado informal. Quando os trabalhadores não têm as habilidades requeridas pelos novos empregos ocorre o mesmo problema.
Daí a conclusão que é encontrada na maioria dos estudos sobre o tema: em todos os países, é imperioso disponibilizar mecanismos para apoiar os trabalhadores no caso de hiato temporal prolongado e para requalificar os mesmos para que se ajustem às exigências dos novos trabalhos.

No primeiro caso, impõe-se o acionamento e aperfeiçoamento do seguro-desemprego. No segundo, os programas de requalificação. Neste campo, os programas mais eficientes são os que articulam as escolas com as empresas. O Fórum Econômico Mundial lançou uma campanha para a requalificação de um bilhão de trabalhadores até 2030 e já conta com mais de 500 empresas desenvolvendo programas de requalificação contínua, inclusive na área comportamental.

Além disso, serão necessárias novas mudanças nas instituições do trabalho para dar flexibilidade à contratação e garantir que uma boa parte do aumento de produtividade gerado pelas novas tecnologias seja transferida para os trabalhadores. A erosão dos sindicatos laborais e as repetidas recessões em vários países têm conspirado contra o poder de pressão dos trabalhadores para capturar os ganhos de produtividade.

Mas novas formas de organização e pressão estão surgindo. Multiplicam-se as assembleias sindicais virtuais com uma participação de empregados muito superior às assembleias presenciais. Os trabalhadores estão ganhando força de pressão por meio das tecnologias digitais (Internet, whatsapp, redes sociais, etc.). Elas permitem uma comunicação permanente com os representados e o exercício de pressão sobre as empresas. Em muitos casos, até greves são detonadas pela via do whatsapp.

Lembremos dos caminhoneiros em 2018 que praticamente pararam o país por mais de 10 dias. Ou seja, as novas tecnologias estão “emponderando” os trabalhadores e fazendo surgir um novo tipo de sindicalismo. Tudo indica que, ao longo da década, surgirão movimentos para aumentar a participação do trabalhador nos resultados das empresas e da própria economia de cada país. Estou confiante. Teremos muitas boas novidades no campo do trabalho.

*Professor da FEA-USP e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP. É membro da Academia Paulista de Letras

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