A frase que dá título a este texto é atribuída ao jamaicano Bob Marley. Sobre ele, é desnecessária maior apresentação. Sua música atemporal continua ressoando ao encontro da paz e harmonia mundiais que tanto defendeu. Contudo, a referência a ele neste espaço é apenas um piscar de olhos em relação à situação do negro em nosso país. De fato, tamanho universo continental em que vivemos revela uma infinidade de situações dentro dessa própria parcela que é a maioria da população brasileira. Existem várias e diferentes conjunturas, mas verdade seja dita, a má comparação pode levar a erros, já que cada um tem realidades e sentimentos próprios, mesmo que universais, diferentes em seu sentir e existir, a régua não pode ser a mesma.
É difícil falar do outro sem estar, verdadeiramente, inserido na mesma realidade. Eu mesmo, negro que sou, diferentemente da maioria dos meus demais irmãos, e por força, esforço e trabalho honesto do meu saudoso pai, tive a possibilidade de cursar uma faculdade. Assim, é possível inferir que estou, pretensiosamente, a seguir na mesma trilha de seus firmes passos, em que pese sentir uma espécie de força invisível e contrária tentando me (nos) manter no “nosso devido lugar”, já que se trata de exceção a destoar da regra.
Logo, penso: será que isso é real ou está dentro apenas da minha cabeça? Nesse sentido, a frase de Bob Marley nos faz crer e lembrar que por mais que construam barreiras, apenas nós podemos rompê-las. Evidentemente, o esforço conjunto nos leva a lugares mais distantes. Temos que sempre deixar nossas mãos estendidas para incentivar e puxar quem está ficando para trás, mas a força interior é que é a mola propulsora e o fio condutor para qualquer realização. É claro que essa força pode ser ceifada quando encontra, por exemplo, a ausência dos pais, a falta de emprego, moradia ou infelizmente, a fome.
É triste olhar ao redor e perceber poucas e pontuais mudanças ao longo deste já longo tempo, pois, diariamente, temos assistido a episódios lamentáveis trazidos à luz principalmente pelo alcance das redes sociais, as quais algumas vezes nos mostram praticamente em tempo real, a brutalidade dessa vivência e existência, como parte integrante de um cenário graciliano de vidas secas e amargas, somente pelo fato de ter uma cor diferente; como se todas as cores e diferenças não tivessem o mesmo valor, e é exatamente essa diferença que dá sentido e sentimento à vida. Tente imaginar o arco-íris, simplesmente, com uma cor, o quanto de beleza não se perderia? Ou se a escala musical tivesse apenas uma nota?
A unidade virá somente a partir do reconhecimento e do entendimento de que o respeito à pluralidade é que faz o mundo avançar e progredir de maneira justa e mais equânime. O primeiro passo para uma harmônica comunhão de convivência é por meio de um aperto de mãos, um sorriso ou abraço descontaminados de intolerância.
Todo tipo de preconceito é algo que não faz parte da essência do ser humano. Nelson Mandela disse que ninguém nasce odiando o outro pela cor da sua pele, ou por sua origem, ou pela religião. E continua dizendo que para odiar, as pessoas precisam aprender a fazê-lo, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar.
O sentir e o colocar-se, verdadeiramente, no lugar do outro é exercício necessário para que possamos compreender o quanto é preciso ver; e não apenas olhar, todas as situações pelas quais o preconceito se expressa. Mudar comportamentos é desafiador, pois vários deles perpetuam-se por gerações sem termos ideia do motivo pelo qual agimos dessa ou daquela maneira.
Se assim não fosse, por que razão as crianças, que são o futuro e a esperança de um mundo melhor, tornam-se adultos preconceituosos? O exemplo deve vir, principalmente, de dentro de casa, de maneira que cresçam conscientes para assumirem suas naturais responsabilidades, mas não percam aquela essência pura que cada um de nós, que crianças também já fomos, carrega em seu interior.
Sabemos que é um longo caminho árduo, doloroso e até mesmo solitário, mas não deixemos que vençam nossa esperança e derrotem nossa força, pois ninguém, além de nós mesmos, pode libertar nossas mentes; e também nossos corações, para a construção de um mundo mais digno e fraterno, com respeito sincero a qualquer tipo de diferença.
*Advogado, pós-graduado em direito ambiental
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