O apego ao poder, a ganância e a cobiça, aliados a um certo desvirtuamento da realidade, armaram uma armadilha para Donald Trump. E o presidente dos Estados Unidos, que terá de deixar o cargo e a Casa Branca em exatamente duas semanas, caiu como um pato. Em uma ligação telefônica de mais de uma hora, o republicano tentou convencer Brad Raffensperger, secretário de Estado da Geórgia, a reverter o resultado das eleições, ali. “Olhe, tudo o que quero fazer é isso. Eu só quero encontrar 11.780 votos, que é algo mais do que temos. Porque nós vencemos no Estado”, afirmou Trump, que chegou a ameaçar Raffensperger. A bomba repercutiu nos principais jornais dos Estados Unidos e foi detonada pelo The Washington Post, o mesmo veículo que teve papel-chave na divulgação do Watergate, escândalo que custou a renúncia do então presidente Richard Nixon (1969-1974). O também republicano foi acusado de envolvimento em um esquema para grampear o Partido Democrata, cujos escritórios chegaram a ser alvos de invasão.
O gabinete de Raffensperger decidiu gravar a conversa com Trump no último sábado. O jornalista Carl Bernstein, que trabalhava no Post no início da década de 1970 e ajudou a desmascarar o escândalo Watergate, fez uma constatação que deu ainda mais peso à manobra de Trump para tentar subverter o processo eleitoral. “Isso não é um déjà vu. É algo bem pior do que ocorreu em Watergate”, comentou. O magnata republicano perdeu no voto popular e no Colégio Eleitoral. Hoje, o Congresso dos Estados Unidos deve certificar oficialmente a vitória do democrata Joe Biden. Como náufrago abraçado à prancha de madeira para não morrer afogado, Trump apega-se às fake news para vender a ideia de que foi alvo de uma conspiração, de uma fraude eleitoral gigantesca. Não apresentou nenhuma evidência e viu todas as ações que apresentara desmoronarem nos tribunais.
A tentativa de corromper e intimidar Raffensperger deveria levar Trump ao lugar que merece: a cadeia. As manobras do presidente republicano lançaram no limbo a democracia dos EUA, até então espécie de farol para as demais nações. Trump demonstrou apego ao autoritarismo e à falta de escrúpulos. Mais ainda: absoluto desprezo pelas instituições de Estado de seu país e pela soberania das urnas. Especialista com quem conversei semanas atrás alertou sobre o risco de o republicano decretar lei marcial para impedir a posse de Biden e de lançar mão de um autoindulto, o que lhe deixaria livre da prisão. Fim melancólico de governo para uma personalidade que firmou-se no slogan “Faça a América grande novamente” e tem se mostrado tão ínfimo em caráter, em honra e em apreço pela democracia. Trump passará para a história como um presidente negacionista, que contribuiu para uma tragédia humana durante a pandemia da covid-19. Além de péssimo perdedor.
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