Visão do Correio

Urgência na vacinação

Correio Braziliense
postado em 08/01/2021 21:41

A perspectiva de que as duas vacinas contra o novo coronavírus estão muito próximas de serem usadas no país é alvissareira. Superamos a marca dos 200 mil mortos — mais de 10,5% dos óbitos registrados no mundo (1,9 milhão) — e passamos de 8 milhões de infectados. Os números são apavorantes, sobretudo, diante do aumento da demanda por leitos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) nas redes pública e privada, na maioria dos municípios, capitais e até no Distrito Federal.

Com o repique da doença e o aumento exponencial de casos — média diária de mais de 80 mil infectados —, o sistema está próximo do caos. Ao mesmo tempo em que governo garante que haverá vacinação, há um desencontro de informações que esfriam as esperanças da maioria dos cidadãos. A cada momento há uma controvérsia em relação ao número de doses que serão, efetivamente, adquiridas, de quais laboratórios. Há incertezas até mesmo sobre a disponibilidade de agulhas. A politização em torno do tema não cessa, o que é extremamente negativo à imagem do Poder público, em todos âmbitos da Federação.

O Brasil é exemplo mundial pelo know-how que adquiriu com as campanhas de vacinação no passado. Apesar de, nos últimos anos, não ter atingido metas de imunização para as doenças preveníveis, como o sarampo, isso não altera a capacidade dos técnicos dos Sistema Único de Saúde (SUS) de deslancharem um processo vitorioso contra a covid-19. Basta que haja medicamentos e insumos em quantidade suficiente, além de logística adequada para que a ação seja exitosa.

Apesar do cenário caótico, a população deixou de lado as medidas preventivas, como distanciamento social, uso de máscara, higienização constante das mãos, entre outras orientações dos especialistas. No fim do ano, praias ficaram lotadas, bem como bares e restaurantes, festas clandestinas foram registradas em vários pontos do país. Em algumas capitais, os governantes se viram obrigados a impor o fechamento de estabelecimentos comerciais para conter o ritmo de proliferação do vírus. Os danos da franca desobediência às normas de prevenção aparecem agora.

A vacinação é indispensável para que o país saia desse círculo perverso que ceifa vidas e impede a economia de dar passos largos e firmes na recuperação das finanças públicas. Hoje, felizmente, com dois registros emergenciais de vacinas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), feitos pelo Instituto Butantan e pela Fiocruz, o Brasil está começando a tirar o gesso.

Mas é preciso mais, pois questão sociais e econômicas são prementes e exigem ações concretas para que tenhamos um futuro mais promissor, de mais crescimento, mais empregos e melhor distribuição de renda. Apressar a vacinação em massa é investimento imprescindível para fazer a economia girar e preservar vidas. Não há mais tempo a perder. É preciso agir. E com celeridade.

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Futebol não é mundo à parte

A reta final da temporada do futebol brasileiro coloca na vitrine um combo assustador de desserviços à sociedade. Do fim de 2020 ao início de 2021, o esporte mais popular no país colocou na vitrine algumas das nossas piores mazelas: racismo, xenofobia, machismo, assédio moral e até irresponsabilidade ao volante.

Em dezembro, o volante Gerson acusou o colombiano Índio Ramírez de injúria racial na virada do Flamengo por 4 x 3 contra o Bahia. O jogador do time tricolor teria dito ao rubro-negro: “Cala a boca, negro”, em um lance do jogo. Na mesma partida, uma leitura labial flagrou suposta xenofobia do atacante Bruno Henrique ao dirigir-se a Ramírez como “gringo de m...”.

Depois de classificar o Grêmio para a final da Copa do Brasil, Renato Gaúcho usou metáfora considerada machista ao tripudiar da posse de bola do São Paulo. O técnico fez uma analogia com paquera para explicar o sucesso do time gaúcho diante da posse de bola de 70% do rival.

“Teve um cara que pegou uma mulher bonita e a levou para jantar à luz de velas, conversou bastante. Saiu do restaurante, foi à boate e ficou até 5h da manhã com ela. Gastou uma saliva monstruosa. Ai, na boate, chegou um amigo meu. Conversou com ela 1 minuto e levou para o motel. Meu amigo ganhou o jogo”, concluiu Renato Gaúcho.

Na última quarta-feira, outro treinador, Fernando Diniz, surtou à beira do campo. Descontente com o meia Tchê Tchê, o chefe dirigiu-se ao atleta com as seguintes palavras durante a goleada do Bragantino por 4 x 2 sobre o líder do Brasileirão. “Seu ingrato do c..., seu perninha do c..., seu mascaradinho. Vai se f...”. Na entrevista coletiva, Diniz tentou explicar a cobrança. “Foi coisa do jogo. Tenho um jeito de cobrar, ele entende”. O mau exemplo é interpretado como assédio moral — um dos males combatidos no mercado corporativo.

A morte do casal de professores em decorrência do atropelamento causado por Marcinho, ex-lateral-direito do Botafogo, no Rio, é mais uma triste constatação de que o futebol se considera um mundo à parte, uma bolha fora da lei. Indiciado por duplo homicídio culposo — quando não há a intenção de matar — o jogador de 24 anos, com passagem pela Seleção, admitiu que conduzia o Mini Cooper e fugiu sem prestar socorro.

Há quem defenda que o futebol tem um código próprio de conduta no qual discursos racistas como “cala a bola, negro”; xenófobos, como “seu gringo de m...”; ou machistas do tipo “conversou com ela 1 minuto e levou para motel” são normais, ou seja, fazem parte de um mundo da bola. Discordo. É por causa de conivências como essas que temos, por exemplo, Robinho, um dos maiores talentos do país no início do século, processado, na Itália, por estupro coletivo. E nem falei sobre Neymar, hein, o gênio indomável... É preciso estabelecer limites, corrigir rumos. Queremos craques em série, mas não damos bola para a educação, a formação cidadã. O futebol não está acima do bem do mal. Pelo menos não deveria.

Charge

 (crédito: Editoria de arte)
crédito: Editoria de arte

Sr. Redator

Cartas ao Sr. Redator devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome e endereço completo, fotocópia de identidade e telefone para contato. E-mail: sredat.df@dabr.com.br

Situação crítica

Na edição do Correio (6/12), o artigo Os shoppings e a fábula de Esopo expõe a situação crítica de parte dos pequenos empreendedores. Na mesma edição, um leitor tece considerações sobre o salário de vários setores do serviço público, onde vemos a abissal e injusta diferença de valorização do profissional, especialmente a absurda desconsideração por aquele que forma todos os outros, o professor. E olhe que ele não mencionou as vantagens extras de salários. Trabalhei em universidade pública e no Executivo, integrei as Forças Armadas, fui professor e agricultor, e estou há mais de 40 anos na iniciativa privada. Então, posso dizer que, nesse setor, as remunerações são ainda mais baixas. Ressalto o trabalho do pequeno agricultor, não o do agronegócio, que alimenta toda a sociedade, corre riscos enormes, com pouco ou nenhum apoio governamental. Sem os pequenos anônimos, sobreviverá a casta dos privilegiados?
Humberto Pellizzaro, Asa Norte


Charge

A charge estampada no Correio Braziliense (8/1), na qual observa-se uma verdade cristalina no tocante ao presidente do Brasil de seguir, igualmente, os passos do presidente dos Estados Unidos. E, ainda, vamos mais além, o primeiro é um irmão gêmeo idêntico do segundo, principalmente nas fanfarrices e nas proezas de frequentador de boteco, vulgarmente chamado de “pé-sujo”. Por incrível que possa parecer, quase todos os dias somos surpreendidos com os palavreados e as indecências proferidos pela maior autoridade do país, numa total demonstração de despreparo para dirigir esta nação, idolatrada e que amamos com todo ardor.
Montesquieu T. Alves, Lago Norte


Genealogia

Bolsonaro disse que pegar a covid-19, que foi a melhor vacina. Uma declaração insana, nociva e desrespeitosa para com os mais de 200 mil brasileiros que morreram após “pegar a covid”. Parte dessas mortes são decorrentes, sim, da incompetência do governo e, principalmente, do negacionismo deste ser abjeto e demoníaco que é Jair Bolsonaro que, ao desqualificar o isolamento social e até o uso da máscara, levou muitos brasileiros incautos, mal-informados e fanáticos pelo mito a o imitarem. Daí, não estarem vacinados, mas mortos. Como frisou Hannah Arendt em seu livro A Genealogia do Mal, o senhor Bolsonaro é um ser nascido para fazer somente o mal, como o foram outros tiranos e autoritários violentos que muito sofrimento e prejuízos trouxeram para a humanidade. Ah! Hannah também diz que esses seres malignos se cercam de muitos iguais, igualmente demoníacos para montar uma espécie de “inferno particular”(figurativo); Ernesto Araújo, Abraham Weintraub, Ricardo Salles (arghh! não é da minha linhagem), Damares Alves & cia são alguns exemplos. É... só nos resta o refrão: vade retro, satanás! Em tempo, não sou petista e nem comunista (se é que estes últimos ainda existam no Brasil em número maior que os dedos das mãos).
José Salles Neto, Águas Claras


Prenúncio

O pedido de destituição do presidente Bolsonaro está latente. Isso pode ocorrer de acordo com o acontecido no parlamento americano, quando a sua presidente assim o fez. Isso é reforçado pelas declarações até aqui pronunciadas de que, nas eleições de 2022, o voto deve ser impresso, para não haver fraude. É um prenúncio do que poderá acontecer.
Enedino Corrêa da Silva, Asa Sul


» A gravidade dos acontecimentos em Washington, onde militantes a favor de Trump cercaram e invadiram o Capitólio, sede do Congresso dos Estados Unidos, impedindo a formalização da eleição de Joe Biden como novo presidente, tem repercussão no mundo ocidental como um todo, e entre nós, que temos um presidente da República que se mostrou capaz de estimular a tentativa de desacreditar instituições democráticas como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). Veio, imediatamente, à mente em alguns segmentos da sociedade, a possibilidade de os mesmos ataques acontecerem no Brasil caso Bolsonaro seja impedido de continuar suas loucuras e devaneios antes do término do mandato, ou perca a eleição presidencial do ano que vem, como aconteceu com seu ídolo Donald Trump. Bolsonaro denunciou fraude na eleição presidencial que ele mesmo venceu, e diz que a urna digital está sujeita a manipulações. Bolsonaro não gosta de ser chamado de “Trump dos Trópicos’’. O uso militar para fins políticos esteve nos cálculos de Trump, tanto assim, que vários ex-secretários de Defesa assinaram um manifesto, em que afirmam que a eleição acabou e que os militares deveriam ficar de fora do embate político. Muito parecido com o que acontece entre nós, em que um presidente oriundo das Forças Armadas, praticamente expulso por atos de indisciplina, manipula os diversos escalões militares, sendo o que sempre foi, um deputado do baixo clero que vive de atender as demandas corporativas dos militares. Creio, salvo melhor juízo,que os 57,7 milhões de votos obtidos pelo ex-capitão, estão sendo diluídos paulatinamente.
Renato Mendes Prestes, Águas Claras

Desabafo

Pode até não mudar a situação, mas altera sua disposição

Muita luz divina para o nosso Genival Lacerda. Ele fará falta com sua música alegre.
José Ribamar Pinheiro Filho — Asa Norte


Podia-se engalanar a democracia norte-americana o tempo todo. Mas, agora, não se pode laureá-la todo o tempo.
Eduardo Pereira — Jardim Botânico


É por causa de negacionistas, que não acreditam nas vacinas, que nas caixas de ovos vem escrito “contém ovo”.
Ricardo Santoro — Lago Sul


Gerente do tráfico no ES ao ser preso escondido embaixo da cama, diz: ‘Perdi na moral’. Ficou mal na foto!
José Matias-Pereira — Park Way

Ferrogrão põe em risco a logística das novas fronteiras agrícolas

Ao favorecer um projeto com potencial para devastar a Amazônia, governo federal prejudica a expansão ferroviária do Matopiba, uma região estratégica do agronegócio nacional

A Ferrogrão é um projeto encabeçado pelo Ministério da Infraestrutura (Minfra) que pode pôr em risco o desenvolvimento logístico e a redução do Custo Brasil. Seu objetivo é escoar a produção agrícola via ferrovia entre o norte de Mato Grosso e o Porto de Miritituba (PA). Antes de sair do papel, ela causa muito prejuízo ao Matopiba, a fronteira agrícola em expansão que reúne os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. De maneira ousada e à luz do dia, o Minfra decidiu colocar R$ 2,2 bilhões em recursos federais à disposição do futuro concessionário para que sejam bancados os “riscos não gerenciáveis” do empreendimento. Traduzindo: será utilizado dinheiro público para resolver problemas ambientais e estruturais que a Ferrogrão pode causar ao “rasgar” a Floresta Amazônica com o seu traçado.

Essa manobra financeira surgiu porque o Minfra não vai seguir a recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) de usar esse dinheiro na construção de um novo ramal ferroviário da Estrada de Ferro Carajás (EFC) no Maranhão. Tal ramal ligaria Balsas (MA) a Porto Franco (MA), onde se conectaria à Ferrovia Norte-Sul e, por consequência, ao Porto de Itaqui (MA). A Coordenação-Geral de Outorgas Ferroviárias do Minfra divulgou uma nota informativa que descarta investimentos em projetos nos próximos anos, o que inclui o Maranhão. Seria uma escolha estratégica? Tudo leva a crer que não.

É inaceitável que o estado de Maranhão e todos os outros da região Nordeste tenham seu desenvolvimento prejudicado por conta de um projeto faraônico, que privilegia de maneira unilateral um único setor econômico. E o pior: o Matopiba não precisa provar mais nada para receber os tão necessários aportes em infraestrutura.

O projeto da ferrovia entre Balsas e Porto Franco teria cerca de 230 quilômetros de extensão na Região Centro-Oeste do Maranhão. Atenderia uma das regiões agrícolas que mais se expande no Brasil, que é o Matopiba, onde vem crescendo nos últimos anos a produção de commodities agrícolas como soja, milho e algodão. Em paralelo, esse ramal tem a vocação (interrompida) de se conectar aos tramos central e sul da Ferrovia Norte-Sul, para, finalmente, ligar o Centro-Oeste e Sudeste ao Nordeste, conectando também o Porto de Itaqui.

Construir um novo ramal ferroviário no Maranhão neste momento seria fundamental. Ligar Balsas às vias férreas da Norte-Sul permitiria ao nosso estado participar de uma revolução na matriz de transporte do País, como parte de um vigoroso ciclo de investimentos. Projetando apenas a produção agrícola, incluindo soja e milho, o ramal maranhense teria a capacidade de transportar entre 4,5 milhões a 5 milhões de toneladas já em 2024. Isso, sem falar nas inúmeras possiblidades de cargas industriais, que podem ser movimentadas em contêineres.

O Ministério da Infraestrutura fez um passe institucional questionável ao escolher investir o dinheiro que seria do Maranhão em um projeto em estágio inicial e sem estrutura física pronta. A Ferrogrão só privilegiará grandes tradings que já são devidamente atendidas no Mato Grosso, com o escoamento ferroviário para o Porto de Santos (SP). Ao priorizar uma ferrovia, o governo federal barra a expansão racional do modal ferroviário nacional e interrompe o crescimento do Matopiba como a próxima grande fronteira agrícola nacional.

Ressalto: a Vale se tornou o que é porque exporta o minério de ferro em navios de 400 mil toneladas, o que só é possível nos portos do Maranhão. Desse modo, consegue colocar o minério nos portos da China, somados todos os custos desde a extração do minério até a entrega na Ásia, por U$ 35 a tonelada e recebe U$ 130 por tonelada. Com ferrovias nos lugares certos, a balança comercial do país ganhará novos índices positivos vindos do agronegócio. Mas por que o Ministério da Infraestrutura aposta suas fichas em tirar do papel um projeto para uma região que já tem planos concretos de expansão de sua malha ferroviária atual?

Tópicos de geopolítica para ficar de olho em 2021

Em 2020, a pandemia mexeu com as estruturas do mundo como conhecemos. As mudanças foram profundas e de toda ordem, pautando de forma importante a geopolítica mundial, afinal, um vírus letal causou impactos profundos nos mais diferentes pontos do planeta. Adiante, a pandemia continuará sendo um ator crucial nos jogos de poder, que, aliada a outros fatores, devem definir os rumos do mundo em 2021.

A vacina é o ponto de partida do ano que se inicia. Um esforço que começou pelo Reino Unido, atravessou o Atlântico para os Estados Unidos e se espalha pelo mundo. O impacto do caminho da vacinação afetará o grau de reabertura das economias, sendo crucial para que muitos países consigam retomar o emprego, produção e estabilidade abalados durante a pandemia.

Certamente, países periféricos enfrentarão problemas maiores, com pouco acesso a recursos ou a logística necessária para uma ampla vacinação. O Brasil, diante de seu vasto território, certamente enfrentará enorme desafio em fazer com que a vacina chegue a todos os municípios em pouco tempo. Aliás, tempo é elemento essencial a partir deste momento, uma vez que a retomada da economia depende da rapidez e de segurança do processo de imunização.

A pandemia será o tema central do governo que chega na Casa Branca. Joe Biden precisará lidar, nos dois primeiros anos de mandato, com duas questões centrais: imunização e retomada. Com o maior número de vítimas da covid-19, o trabalho dos americanos será focado na imunização e na recuperação dos empregos e da atividade econômica, um processo que deve durar, no mínimo, estes dois anos, quando o país encara um novo processo eleitoral com a renovação da Câmara e de um terço do Senado.

O peso geopolítico dos americanos será um ponto importante a ser observado, uma vez que a beligerância de Trump será substituída pelo tom diplomático de Biden. O novo presidente é velho conhecido do establishment de Washington, com amplo trânsito entre os dois partidos e uma vasta experiência em relações exteriores, seja no Senado, como na Vice-Presidência. Veremos uma mudança profunda de narrativa e exercício do poder, abrindo-se espaço para multilateralismo, diálogo e soft power.

Neste novo desenho, a Rússia assume o papel de maior antagonista de Washington, com Pequim sendo monitorada, contudo, sem o enfrentamento exposto e direto exercido por Trump. A influência destes dois atores na América Latina, território de natural influência americana, é um dos pontos que a Casa Branca deve manter em seu radar. A influência de chineses e russos no continente americano é vista com muita desconfiança por Washington e, certamente, Biden vai trabalhar para evitar a expansão deste movimento.

A Rússia deve lidar com os desafios de manter as antigas repúblicas soviéticas sob o seu domínio, mesmo que indireto. As reações contra a influência de Moscou foram a tônica em diversos países em 2020 e o Kremlin deseja evitar que estes questionamentos se ampliem para países vizinhos. A crise em Belarus, que vivenciou uma fraude eleitoral de proporções inimagináveis, precisa ser contida. Lukashenko, o autocrata patrocinado por Putin, pretende se manter no poder. As perseguições e prisões políticas fazem parte do cardápio na região, mas a resistência da União Europeia tem ajudado a evitar o pior.

Ainda em 2020, a Rússia teve que lidar com a crise entre Armênia e Azerbaijão, um novo governo anti-Kremlin eleito na Moldávia e uma severa crise política no Quirguistão, na fronteira chinesa. Putin buscará estabilizar os satélites ou terá que lidar com uma onda de governos hostis em países que Moscou considera ter influência direta.

Enquanto isso, a China, que acredita possuir uma província rebelde em Taiwan, decidiu usar todo seu poder para cercear Hong Kong. O receio internacional é que use esta experiência e momento para avançar sobre Taipei, colocando a região em estado de alerta. A comunidade ocidental internacional se mobiliza para defender Taiwan de qualquer avanço chinês sobre seu território autônomo.

Pequim tem outras frentes de batalha. A principal é uma ofensiva de reconstrução de sua imagem, dilacerada após a disseminação da covid-19. O controle inicial da doença foi falho. Uma administração caótica do problema ampliou o alcance do surto, transformando a doença em pandemia com reflexos mundiais. Uma intervenção inicial e combinada teria sido crucial para evitar a propagação viral. Um fato que marcará para sempre a imagem de Wuhan.

A reconstrução da imagem chinesa, entretanto, precisa ir muito além disso. A perseguição aos uigures ganhou espaço na mídia e precisa cessar. Se Pequim deseja reconstruir sua imagem depois da covid-19, deveria respeitar os Direitos Humanos da minoria uigur, cessar a pressão sobre Taiwan e as ameaças diplomáticas aos países que não desejam adotar seu padrão de 5G da Huawei. Hoje já são mais de 50 nações.

Neste espectro surge o Brasil, que deve definir o caminho que seguirá no tocante ao 5G, com grandes chances de afastar-se da solução chinesa, mesmo sofrendo risco de retaliação, como aconteceu com a Austrália recentemente. Este, entretanto, é apenas um dos desafios que o Brasil deve enfrentar. Com uma região que se movimentou para esquerda no espectro político com vitórias na Bolívia e Argentina, o Brasil adquire importância seminal na região liderando um caminho à direita que pode seguir pressionando a ditadura de Maduro na Venezuela.

A pandemia é certamente o maior desafio do mundo no ano que começa, contudo, questões relevantes seguem no radar, como as violações aos direitos humanos em lugares como Coreia do Norte, China, Rússia e, também, Venezuela. O Brexit segue sendo um desafio na Europa, ao mesmo tempo que o Brasil espera ver encaminhado o acordo entre Mercosul e União Europeia. A liberdade de expressão sofre ataques em Hong Kong, Turquia e China e a soberania de Taiwan é colocada em xeque por Pequim.

O xadrez político internacional recebe novos atores na medida que se reposiciona esperando os movimentos deste intrincado jogo. Desta soma de fatores deve surgir um novo equilíbrio de forças, com esgotamento de soluções populistas e renascimento de um mundo multipolar. 2021 promete. Até porque, convenhamos, 2020 realmente ficou devendo.

Visto, lido e ouvido

circecunha.df@dabr.com.br

Pandemia e a participação da família na educação

Dissociado da família, qualquer modelo de aperfeiçoamento do ensino torna-se capenga e não se completa. O ciclo completo de todo o processo educativo deve ser composto por alunos, professores e pais ou responsáveis.

Esse tem sido o calcanhar de Aquiles de todo o nosso processo de ensino e que revela não apenas um descompromisso no envolvimento da escola com a comunidade, mas, principalmente uma desconsideração da importância de se firmar um acordo sério entre as partes envolvidas nesse mecanismo. Um fato que comprova essa tese e que demonstra, na prática, essa falha é que é comum, em muitas escolas, que professores e orientadores desconheçam, por completo, quem são os pais e responsáveis da maioria de seus alunos. Não conhecem, e muitas vezes não sabem, sequer em que contexto social esse e aquele aluno vivem.

Sem essas informações e sem o conhecimento do meio em que vive seus alunos, seu cotidiano, suas origens, o que os pais fazem, como é a rotina da família e outros dados preciosos, qualquer modelo tende a falhar. Ocorre que, em muitos casos, é a própria família que não deseja estreitar qualquer laço com a escola que seus filhos frequentam. Usando esses estabelecimentos de ensino apenas para cuidar de suas crianças, alimentá-las e dar-lhes alguma segurança enquanto se ocupam em outras tarefas.

Há casos em que o pai ou mãe está cumprindo pena judicial em algum presídio e a escola não toma conhecimento. Ou de pais e responsáveis alcoólatras ou viciados em drogas. Ou ainda lares em que essas crianças foram abusadas ou vivem sob condições de violência diária.

Para complicar, uma situação corriqueira que em si já é dramática, há os recorrentes casos de violência envolvendo alunos e professores ou dos próprios pais com os professores. Com a pandemia, principalmente as crianças menores, veem os laços entre professores e pais mais estreitados. Para os adolescentes, a ânsia por brigas, disputas de gangues, venda de drogas, aliciamento de novos viciados, tudo parou. Casos de violência eram corriqueiros em muitas escolas da rede pública do Distrito Federal, inclusive com pais que ameaçavam e agrediam os professores, além de alunos que arremessavam carteiras, danificavam o automóvel dos mestres ou mesmo os agrediam.

Esse fenômeno foi afastado durante a pandemia. Alunos que nunca participavam das aulas, certamente, não vão usar celular ou computador para se atualizarem nas disciplinas. O lado mais crítico também continua com os docentes. Sem um apoio para transmitir aulas, sem técnica, sem conhecimento, foram pegos de surpresa e, com muita improvisação, têm conseguido levar adiante o conteúdo.

O Brasil onde os professores e a própria escola tinham medo de seus alunos, e muitos sequer ousavam questionar a realidade deles, está em pausa. Aquelas escolas transformadas em centros de reabilitação de menores, que se limitavam a cumprir o que manda o conteúdo programático e a carga horária, agora se mantém o mais distante possível de qualquer envolvimento físico e presencial. Não há mais sucessivos chamados às delegacias e a justiça, que muitas vezes não davam o pronto atendimento e atenção a esses casos de violência, deixando os professores à própria sorte.

Desse modo, envoltas em problemas estranhos ao processo de educação e que, em muitos casos, são de ordem social, ou mesmo de polícia, muitas escolas e professores vêem os alunos problemáticos tomando outro rumo, longe das aulas on-line, completamente inúteis para quem ia à escola apenas pela algazarra.

Cabe um estudo aprofundado do que as escolas estão fazendo para preparar a volta de todos os alunos. Que regras serão impostas, que comportamento será admitido, que projetos criativos envolverão jovens adolescentes no estudo. Como a devida responsabilização, perante o Estado, de pais e responsáveis de alunos é ainda uma possibilidade distante, e esse é o perigo, já que o processo adequado de ensino vai sendo empurrado para um futuro incerto e sem solução à vista.

Nossas escolas, sobretudo as públicas, ficaram paradas no tempo, preparando os alunos para um mundo que já não é o mesmo e que requer outro tipo de profissional, com outras habilidades. Ainda por cima, tem que lidar com problemas que antes eram resolvidos dentro das famílias, no âmbito das relações entre pais e filhos. Sabe-se que as escolas são o espelho da sociedade em que estão inseridas.

No nosso caso, as escolas públicas, principalmente aquelas localizadas nas regiões mais carentes, estão imersas numa sociedade na qual a violência é um fato corrente no dia a dia dos alunos. Não há como pensar em ensino de qualidade, capaz de colocar o país nos primeiros lugares em rankings internacionais de avaliação do ensino, enquanto não forem solucionados problemas básicos no âmbito de nossa sociedade, como é o caso da violência endêmica, suas causas e suas múltiplas consequências. No dilema atual que propõe resolver os problemas sociais de nosso país, por meio da educação, é colocado outro que aponta que somente vamos resolver as questões da melhoria de nossa educação pública quando pudermos educar também as famílias e a sociedade conjuntamente. A pandemia tem dado tempo para repensar esse sistema.

A frase que foi pronunciada:

“Deixe o mundo um pouco melhor do que encontrou.”
Robert Banden-Powell, fundador do escotismo

História de Brasília
Outro assunto do Ministério da Fazenda diz respeito ao Serviço de Comunicações. Seu chefe até hoje não veio a Brasília, e já declarou ao diretor-geral que não virá nunca. Não se sabe sequer onde está instalado o seu serviço no Distrito Federal. isto tem atrasado o serviço, que está fortemente prejudicado. (Publicado em 23/01/1962)

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