Nota-se, mais recentemente, o destaque que as mídias dão à cor da pele como elemento relevante para salientar a importância do indivíduo. Causa estranheza este tipo de informação, pois coloca em segundo plano suas qualificações. Ser o primeiro “negro ou negra” os torna mais importantes do que suas habilidades?
Sou da geração do pós-guerra, que tem o trabalho árduo como forma de afirmação social e econômica. Dentro desta visão fui criado. Ademais, ainda temos o fato de o negro e sua existência implicar em histórica discriminação racial. Não tínhamos o direito de frequentar determinados ambientes sociais. Em prédios de apartamentos, os elevadores de serviço eram nossos caminhos. Saber o seu lugar social fazia-se necessário. Certa vez, na década de 1980, escutei: “até que a negrada se comportou bem na festa de Natal”. Ora, por que apenas de nós negros, eram exigidos comportamentos aceitáveis ou socialmente estabelecidos?
Narro estas vivências para evidenciar o quanto foram importantes as conquistas e o destaque de alguns negros, primeiros em suas atividades, para a nossa autoestima, motivo de orgulho e exemplo. Eles haviam chegado lá e transpassado as barreiras da desigualdade social e da cor da pele.
Vibrávamos com os craques de futebol, as primeiras misses, os primeiros protagonistas do teatro e da TV e os primeiros governadores negros. Os destaques eram motivo de celebração, pois evidenciavam que tínhamos alguma representatividade na sociedade e que nossa capacidade estava sendo reconhecida, respeitada e valorizada.
Consciente da minha negritude, o título de primeiro negro sempre incomodou. Para se ter destaque, em qualquer área, é necessário ter aptidões e capacidades comprovadas, teoricamente. Mesmo assim, quando se trata de um preto (a), o verbete “primeiro negro” se mostra presente em detrimento de suas qualidades e do seu brilhantismo.
Tratando sobre o tema com diversas pessoas dos mais variados estratos sociais, a maioria foi unânime em considerar que as qualidades, as conquistas e a excelência de uma pessoa são os fatores preponderantes a serem destacados, não importando a cor da pele.
Os nominados como “primeiro negro(a)” devem, certamente, considerar o verbete como uma homenagem, um reconhecimento. Dificilmente se manifestam sobre o tema ou contestam o fato de suas qualidades estarem em segundo plano ou mesmo não serem mencionadas. Quando se trata de asiáticos ou outra etnia, jamais veremos em manchetes ou textos o “primeiro amarelo”, o “primeiro aborígene”.
Estamos na geração Z, iniciada em 2000 e que tem como característica básica a multitarefa, diferentemente do trabalho árduo empregados nas gerações anteriores. A internet tomou conta dos indivíduos e os tornou visualmente imediatistas, os temas apresentados não devem tomar muito o tempo das pessoas, pois existe uma grande variedade de atividades sendo tratadas simultaneamente, onde apenas a leitura dos títulos e subtítulos das mensagens são suficientes para estabelecer conceitos e formar opiniões.
Esse é um vício do mundo virtual. Basta um olhar rápido pelos textos e vídeos e, indignados ou não, curtir, comentar ou compartilhar. Não há uma análise maior sobre o conteúdo apresentado e principalmente quanto à veracidade das informações. Como exemplo temos as fake news e a pós-verdade.
Ultimamente, percebe-se um grande número de negros se destacando nas mais diversas áreas. Abriu-se um espaço na sociedade, com muita luta, para que o seu reconhecimento e importância fosse democraticamente estabelecido. Talvez por uma exigência de mercado ou a disponibilidade de acesso tecnológico na área da comunicação.
Cabe ressaltar que no Brasil, a Carta Magna de 1988, a Constituição cidadã, contribuiu muito para a abertura deste espaço na sociedade, quando estabeleceu direitos, em especial para as minorias.
Todos devemos ter direitos iguais e espaços sociais garantidos pelas nossas qualificações. Este entendimento deverá sofrer muitos revezes e enfrentar enormes obstáculos. A batalha pela sobrevivência e pela igualdade, tanto almejada, continua. Sabemos que os maiores desafios estão na cultura, na educação para a aceitação de uma igualdade social. Precisamos formar uma sociedade mais justa e igualitária baseada nas qualificações e nos valores individuais.
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