MÚSICA

Eterna ovelha negra

''Em compensação, deixou como legado mais 30 álbuns, cinco DVDs e incontáveis canções que permanecem vivas na memória afetiva de um número incalculável de fãs — entre os quais me incluo''

Irlam Rocha Lima
postado em 11/01/2021 06:00 / atualizado em 11/01/2021 09:05
 (crédito: Guilherme Francini/ Divulgação)
(crédito: Guilherme Francini/ Divulgação)

Agora só falta você é título de um antigo hit de Rita Lee. Com a trajetória musical encerrada há oito anos, a rainha do rock nacional, isolada num sítio na Grande São Paulo, agora se dedica a cuidar dos netos, à militância de causas ecológicas e a escrever livros. E faz uma falta imensa à música popular brasileira em tempo de interminável sofrência. Logo ela corajosa, rebelde e transgressora que sempre se insurgiu contra os podres poderes, mesmo consciente das possíveis consequências.

Recorde-se que em 1976, ao vir a Brasília com a turnê de Entradas e bandeiras,Rita foi proibida pelo Censura Federal de se apresentar no ginásio de esportes do Colégio Marista, por, frequentemente, fustigar os militares tanto em entrevistas quanto nos palcos. O cancelamento causou prejuízo financeiro a ela e aos produtores. Um ano antes, Rita havia superlotado aquele espaço com o show Fruto proibido, no qual três mil pessoas fizeram coro ao ouvi-la interpretar o mega sucesso Ovelha negra— o primeiro em carreira solo.

Sem se intimidar, continuou a contestar os governos da ditadura. Em abril de 1983, quando se apresentou no extinto Estádio Pelezão — onde hoje existe um condomínio de luxo —a Presidência da República era ocupada pelo general João Baptista Figueiredo. À época, acompanhada por banda liderada pelo marido e guitarrista Roberto Carvalho, cantou para uma multidão de 20 mil pessoas. Do repertório faziam parte Banho de espuma, Lança perfume e Mania do você, canções de letras ousadas, em que o sexo é tratado sem nenhum pudor. Antes de cantar a pouco conhecida Vote em mim, atacou com um discurso contundente. “Como em Brasília gravam tudo — fazendo referência explícita ao Serviço Nacional de Informação (o famigerado SNI) — vou falar aqui em público. Finalmente, depois de oito anos exilada da cidade, estou de volta e venho propor minha candidatura. Sou candidata a levar alegria ao povo, que está de saco cheio desses militares que comandam o país. Para a censura eu digo, é proibido proibir”.

O último show de Rita na capital foi em novembro de 2012, quando subiu ao palco em frente ao Congresso Nacional. Quase ao fim da apresentação, durante a interpretação de Baila comigo, abaixou as calças e exibiu o bumbum para a plateia, num insólito bundalelê, chocando alguns e sendo aplaudida pela maioria.

Curiosamente, o show foi para o lançamento do CD Reza. Aos 73 anos, a exemplo de outros grandes artistas da MPB, bem que a iconoclasta vovó poderia continuar nos enchendo de alegria, com novos shows e discos. Em compensação, deixou como legado mais 30 álbuns, cinco DVDs e incontáveis canções que permanecem vivas na memória afetiva de um número incalculável de fãs — entre os quais me incluo.

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