VALDIR OLIVEIRA
Superintendente do Sebrae no DF
As décadas de 1960 e 1970 produziram riquezas em formas de música que eternizaram momentos. Uma dessas pérolas foi feita por Chico Buarque, em 1978: Geni e o Zepelim. Essa inspiração tem algumas interpretações, mas todas elas traduzem a hipocrisia de uma sociedade. As pessoas se arvoram em críticos, condenam fervorosamente, ignorando seus próprios erros — que não os deixariam passar incólumes nesses mesmos julgamentos. Acho que isso nunca foi tão real quanto nos dias de hoje. Há tempos estamos desconstruindo a credibilidade da classe política. Quando o inconfessável emergiu, não se teve dúvidas em apontar o culpado: os políticos e, por extensão, as instituições de Estado. E, assim, a política se transformou na Geni. Maldita Geni!
Na esteira da história da Geni e do Zepelim, a sociedade curvou-se ao julgamento apressado e indiscriminado da classe política ao mesmo tempo em que a ela implorava, e sempre haverá de suplicar, favores, caminhos e deleites dessa mesma classe. Muitos dos que condenam a falada velha política a utilizam, ou gostariam de a utilizar, para seus próprios e espúrios desejos. Igualmente, aos que gritam e apedrejam a Geni de Chico Buarque, aqueles também vociferam e se lambuzam das benesses da política. Maldita Geni!
Assim, foi disseminado o ódio contra a classe política, sobre ela recaindo toda a culpa das mais variadas mazelas. Mas esqueceu-se que o político é o reflexo do seu povo. Maldito reflexo! Infelizmente, a impensada e tresloucada descrença e desconstrução da classe política e, por consequência, das instituições, permitiu o “vale tudo”, com prejuízos enormes aos avanços democráticos duramente conquistados. Os políticos, todos colocados no mesmo balaio, passaram a ser alvos de xingamentos; os ministros dos tribunais passaram a ser achincalhados na sua vida cotidiana, como se somente aqueles que os acusavam reunissem a condição moral e ética impecável e àqueles outros restassem tão somente a desonestidade e a imoralidade. Como se os que agora são condenados não fossem reflexo de seus julgadores eleitores. A política transformou-se na Geni. Maldita Geni!
Quem já não ouviu condenações gritadas aos sete ventos por quem cometeu as mesmas atrocidades quando teve a oportunidade? Quem não viu ataques a honra por quem esconde suas próprias mazelas? Quem não viu na história recente do Brasil acusações diretas de quem não resistiria a um julgamento similar, inclusive de sua própria consciência? Que o digam os grandes e os pequenos favores... Nesse momento, reina o império da hipocrisia, no qual o falso discurso se apressa em condenar a maldita Geni!
Todavia, assim como no caso da Geni de Chico, foi a rejeitada Geni política que veio ao socorro da sociedade. Que comprou a briga pelos recursos necessários, a título de auxílio, que assegurassem a sobrevivência de um povo que sofria com o isolamento social. Foi essa Geni que contrapôs a luta pela responsabilidade fiscal tecnocrata para mostrar que o Estado deve sempre atender a sua população, mesmo que, para isso, haja um custo fiscal de enormes proporções. Se o povo sofre, o Estado tem que socorrer. Afinal, para que serve um Estado? Ela, a maldita, agora bendita e redentora. Bendita Geni!
Não há dúvida de que a covid-19, a ameaça Zepelim, mostrou que, sem o ambiente democrático, seria impossível o contraponto entre Poderes. Não esqueçamos, como fez o povo da Geni de Chico, quando passada a ameaça e estejamos de volta ao novo normal, que os responsáveis pela boa luta foram a democracia e a liberdade. Sem elas não teríamos uma política saudável, remédio fundamental para vencermos esse momento difícil. Lutemos, sempre, por esses institutos. Se os políticos são os reflexos de nossas escolhas, devemos escolher, então, com mais distinção e cuidado. Assim, cuidaremos para que o reflexo que enxergaremos nas casas legislativas seja aquele que nos dê orgulho e familiaridade.
O ano de 2021 será marcado pelo início da solução sanitária da pandemia. E o meu desejo, para esse ano, é que, passada a pandemia, possamos abraçar todas as nossas Genis, respeitar nossas instituições e entender que o único caminho para mudar é pela política. Devemos sempre ter espírito crítico e trabalhar pelas mudanças necessárias, mas sem descuidar do respeito às instituições. Se há dificuldades com elas, sem elas, não há caminho democrático possível. Meu desejo é que, nesse ano, passados os perigos da pandemia, possamos construir um final diferente da narrativa de Chico Buarque, onde a hipocrisia nacional não mais subsista e que possam concretizar um novo mundo mais igualitário e mais solidário.
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