ARTIGO

Esqueça da felicidade

''Mas o que é ser feliz? Um denominador comum aos diversos modelos de felicidade seguidos pelos seres humanos é simplesmente ter sucesso! Mas o que é ter sucesso? Ter bens materiais? Ter saúde? Ter relacionamentos compensadores? Ter estabilidade física, emocional... bem-estar? ''

Correio Braziliense
postado em 15/01/2021 06:00 / atualizado em 15/01/2021 08:22

ENRIQUE R. ARGANARAZ, Professor da Universidade de Brasília 


Um dos principais objetivos de vida e comum a todos os seres humanos, independentemente de nacionalidade, raça, idade, religião, é a chamada “Felicidade”. Entretanto, as perguntas que surgem inevitavelmente ao abordar esse assunto são: por que cada ser humano imagina sua felicidade de uma forma particular? Se todos querem ser felizes, por que sofrem? Dessa forma para abordar o assunto felicidade se faz necessário falar também do sofrimento e suas causas.

Mas o que é ser feliz? Um denominador comum aos diversos modelos de felicidade seguidos pelos seres humanos é simplesmente ter sucesso! Mas o que é ter sucesso? Ter bens materiais? Ter saúde? Ter relacionamentos compensadores? Ter estabilidade física, emocional... bem-estar? A lista pode ser muito longa. Entretanto, poderíamos resumir em “conseguir o que quero” “quando quero” e “evitar o que não quero”.

Quando as condições externas não estão de acordo com nossos “modelos de felicidade”, logo, experimentamos desagrado, frustração, tristeza, raiva... e ficamos infelizes quando conseguimos adequar as circunstâncias externas ao nosso modelo de felicidade “achamos” que estamos felizes. Entretanto, as condições externas “sempre” estão mudando e, consequentemente, vivemos numa “gangorra”, alternando momentos de felicidade e sofrimento.

Como se não bastasse, a tão desejada felicidade, quando alcançada, se esvanece num piscar de olhos, como demonstrado por estudos realizados pelo professor Dan Gilbert, do Departamento de Psicologia da Universidade de Harvard. Nos estudos do Dr. Gilbert, foi possível mensurar o real impacto dos mais diversos acontecimentos, desde os mais felizes até os mais trágicos na vida e na felicidade das pessoas. Surpreendentemente, os resultados mostraram que, independentemente da natureza dos mesmos, o impacto de tais acontecimentos não iria além de seis meses e, após 3 a 4 dias, tinham perdido grande parte de seu impacto. Poderíamos dizer que a chamada felicidade não dura mais do que “uma gota de orvalho numa folha de grama”.

Certamente, essa maneira de viver, valorizada, incentivada e seguida por séculos e séculos pela humanidade, apresenta falhas profundas e é a causa primária de diferentes desordens comportamentais, muito comuns nestes dias, tais como depressão, ansiedade e até o suicídio. Dessa forma, a felicidade como meta, é frívola e irrealista — frívola, porque a chamada “felicidade” é um estado transitório que depende de diversas condições externas; e irreal, pois a vida é imprevisível, já que a dor pode surgir a qualquer momento. Sendo assim, estaríamos condenados a viver reféns das circunstâncias externas, sobre as quais não temos controle algum? Ou tem alguma alternativa? Uma pergunta que se impõe é: quais são as principais causas do sofrimento humano?

Para responder estas questões, torna-se prioritário acessar o conhecimento contido em tradições milenares, em que elas foram estudadas por séculos e caminhos para as respostas sinalizadas. Sendo assim, todas elas apontam a mente como fator determinante para nossos estados de felicidade e infelicidade. Por que seria a mente? Porque depende de como a mente reage à vivência. Segundo o budismo, o sofrimento é causado por uma mente ignorante, entendendo-se por mente ignorante, aquela que não percebe a realidade como ela é, “impermanente, insatisfatória e insubstancial”. De fato, a mente nos leva a ver e a julgar o presente com os olhos do passado, de acordo as nossas crenças, dogmas e modelos de felicidade, manifestando-se como uma “voz” que especula, julga, compara, gosta, desgosta... e até como “filmes” ou “diálogos internos”.

Diante deste quadro, será que existe uma felicidade verdadeira, diferente? Que não dependa das circunstâncias? Que possamos cultivar do nada, por assim dizer? A resposta para essas perguntas é um contundente “sim”. Agora, de onde vem essa “felicidade” que se experimenta quando se consegue um objeto — uma dada experiência? A conclusão óbvia é que não vem dos objetos, já que, se assim fosse, quando se consegue um dado objetivo, seríamos felizes para sempre, o que não ocorre. Sendo assim, a felicidade que se experimenta ao atingir um objetivo só pode vir de nós mesmos, ou seja, da liberdade que se experimenta quando fico livre da procura pelo objeto.

Uma sinalização do caminho a seguir pode ser obtida a partir da frase do Prêmio Nobel de Literatura, Hermann Hesse: ”Só há felicidade quando não exigimos nada do amanhã e aceitamos do hoje, com gratidão, o que nos trouxer. A hora mágica chega sempre”. Assim, a chave está em nos tornarmos conscientes de que o único tempo que realmente existe é o presente, e sermos gratos. Isso quer dizer que podemos ser gratos por tudo? Sim, até pelas experiências dolorosas, já que, em toda situação negativa, há sempre uma lição embutida. Aliás, todas as circunstâncias são positivas, ou melhor, não são positivas nem negativas, são do jeito que são! A vida é dura, mas, quando realmente se aceita o que está acontecendo, mesmo que seja muito difícil ou doloroso, surge uma felicidade, melhor, uma alegria imensurável que vem apenas de experimentar completamente o que surge, sem separação entre nós e a experiência, e é nesse momento que “a hora mágica chega” e os problemas desaparecem.

Em resumo, só conseguindo viver no presente, sem permitir a intromissão do tempo (passado/futuro) e, consequentemente, da mente, que perceberemos a beleza nele contida, e o que é melhor, não haverá dor e, sim, alegria! “É como a brisa que entra quando abrimos a janela, não podemos chamá-la ou buscá-la, apenas deixá-la entrar.” Krishnamurti J.

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