Se você não é uma pessoa tão familiarizada a conceitos macroeconômicos, pode parecer até contraditório ligar diretamente a oferta de crédito ao crescimento econômico do país. Afinal, oferta de crédito é oferta de empréstimo, e empréstimo é dívida. E dívida é tudo o que o brasileiro não quer este ano. Mas, na verdade, não é bem assim. Dívidas bem equacionadas podem ser o motor de crescimento de um pequeno negócio, de uma grande empresa e até de um país.
No entanto, a oferta de crédito no Brasil e em muitos países sempre conviveu com uma imagem estigmatizada. E, aqui, podemos destacar pontos como forte burocracia, baixa diversificação e, claro, juros agressivos a serem pagos toda vez em que se precisou de um dinheiro extra para emergências. Esses obstáculos não surgiram do nada.
No Brasil, em comparação com outros países, a taxa de recuperação do crédito ainda é muito baixa e o prazo, muito longo. Segundo a Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), cada R$ 1 que se empresta e que não é pago no Brasil, o banco só consegue recuperar R$ 0,15 depois de quatro anos. Em outras nações, essa relação chega até a R$ 0,80 em um ano e meio.
Esse componente é um dos que pesam na composição do spread bancário. Ou seja, a alta inadimplência aliada aos longos prazos fazem com que o custo do dinheiro (juros) fique mais alto para todos os envolvidos, incluindo os que pagam em dia.
Na outra ponta do negócio, o cliente cria resistência ao crédito e culpa as instituições tradicionais pela dificuldade no acesso ao dinheiro. Ao mesmo tempo que é justo reconhecer a verdade que existe por trás dos dois lados desta história, também é fato que isso vem mudando aos poucos no Brasil e no mundo.
A estrutura do setor financeiro brasileiro vem passando por uma grande transformação nos últimos anos. Novos meios de pagamentos, serviços financeiros incorporados e a desburocratização do acesso foram responsáveis por apresentar novas tendências no mercado e já apontam a direção para o futuro. Esses novos modelos vêm conquistando cada vez mais brasileiros, descolando-se da tradicional indústria bancária e culminando na chegada das hoje conhecidas fintechs.
O crescimento dessas empresas foi alavancado pelas novas regulamentações do BC, que passou a autorizar o exercício das fintechs de crédito no país. Como atrativo popular, elas oferecem prestação de serviços diferenciados, desburocratização e tarifas muito mais reduzidas do que instituições financeiras tradicionais, já que utilizam plataformas digitais e o uso constante de tecnologia em substituição de processos tradicionais, geralmente mais demorados e caros.
Importante notar que, por meio destes novos modelos de negócios, é possível atacar claramente os três principais pontos de sensibilidade entre clientes e instituições financeiras, citados acima: burocracia, diversificação e custo do dinheiro.
Algumas destas movimentações dão frutos no mercado, principalmente na busca pela oferta de crédito a juros mais baixos e sob formatos diversificados. Um exemplo é o home equity, um formato de empréstimo que oferece longos prazos de pagamento a baixas taxas de juros usando um imóvel do tomador de crédito como garantia. Em alguns países, o home equity prevê o início do pagamento das parcelas após três anos da assinatura do contrato.
O fato é que a oferta de crédito vem mudando, o mercado está percebendo que é necessário colocar o cliente no centro e, aos poucos, a visão do empréstimo pessoal perde o tom estigmatizado que já teve em outros tempos. Está em curso uma revolução que atinge desde as grandes corporações até os pequenos fornecedores de soluções financeiras, incluindo o consumidor. E é aí que a ampla oferta de crédito se posiciona com potencial para impulsionar o crescimento econômico.
O crédito é avaliado pelo mercado como uma das principais ferramentas para aquecer produção e consumo em um país. No Brasil, a oferta de crédito corresponde a algo por volta de 50% do PIB nacional. Por aqui, iniciativas do Banco Central, como o Cadastro Positivo e o open banking, são pontos-chave do movimento que busca reduzir cada vez mais os juros e tornar ainda mais acessível o crédito.
Mas, então, o que falta para esse mercado bombar? Em uma economia volátil como a brasileira, ainda precisamos evoluir em linhas de empréstimo pessoal com juros menores e iniciativas para auxiliar microempreendedores e trabalhadores autônomos na contratação de crédito. Isso seria de grande valia, sobretudo, em um momento que ainda sentimos os efeitos provocados pela pandemia e ainda existe uma parcela de população desbancarizada.
A tecnologia está ajudando a agilizar as operações de crédito, as fintechs diversificaram a oferta, e o órgão regulador trouxe importantes mudanças para conferir segurança jurídica a estas e a outras transformações. Estamos em direção ao caminho certo. No entanto, é sempre importante lembrar que o crédito é um dos fatores que impactam o crescimento econômico de um país.
Uma oferta de crédito ampla, acessível e desburocratizada é a pedra fundamental na construção de uma economia sólida e consistente. Construção que não acontece da noite para o dia e, certamente, exigirá dedicação e empenho de todos os envolvidos em cada uma de suas etapas.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.