Visão do Correio

Confiança abalada

''O fechamento de fábricas da Ford foi um alerta para o poder público, que poderá ser seguido por outras empresas e estimular a evasão de investidores. São muitos os desafios da equipe econômica. É preciso ficar atento: qualquer ação que possa afetar ou aprofundar a crise sanitária prejudicará ainda mais a economia de um Brasil já combalido''

Correio Braziliense
postado em 28/01/2021 06:00 / atualizado em 28/01/2021 08:59

Não há como dissociar o ritmo da vacinação contra a covid-19 da retomada da economia. O entendimento é consenso entre empresários e investidores. Todos estão apreensivos ante os embaraços e o mau planejamento para a imunização dos brasileiros. As doses que chegaram ao país são insuficientes para proteger a maior parte da população — a vacinação deverá se estender até 2022 —, o que retarda a volta das atividades produtivas em ritmo próximo ao da pré-pandemia.

O Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei), divulgado ontem pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), caiu 2,2 pontos neste mês, em relação a dezembro último, e 4,4 pontos na comparação com janeiro do ano passado. A Bolsa de Valores teve o sexto pregão consecutivo de perdas. O dólar não para de subir, um problemão para a inflação, o que fará o Banco Central aumentar os juros. O capital está muito apreensivo.

O Brasil, com cerca de 500 mil pessoas vacinadas até agora, ocupa a 12ª posição no ranking mundial. Mas não só isso preocupa os donos do dinheiro. Fora do campo da saúde, há insegurança quanto ao compromisso do governo com o ajuste fiscal. Diante da queda de popularidade do governo, há ministros que defendem o rompimento do teto dos gastos públicos visando elevar os investimentos em obras e, assim, melhorar a avaliação do Executivo e pavimentar a reeleição em 2022. Outros têm posição contrária, cientes de que o desrespeito a essa barreira aprofundará o caos econômico, causado pela maior crise sanitária do planeta.

O aumento expressivo de gastos com saúde corroeram as finanças da União, que encerrou 2020 com rombo fiscal superior a R$ 700 bilhões. As divergências internas no governo reforçam a insegurança de empresários e investidores. Para eles, faltam coesão e consenso quando o país tem 14 milhões de desempregados e não há brechas no caixa para estender o auxílio emergencial e os cortes de jornadas e salários dos trabalhadores, benefícios encerrados em dezembro. Aguardam, ainda, a aprovação do Orçamento da União para saber o rumo que o país seguirá.

O desânimo do capital é alimentado, também, pela disputa em relação às mesas diretoras da Câmara e do Senado, com a declarada interferência do Executivo. Uma fissura profunda no Legislativo pode postergar a aprovação das reformas tributária e administrativa, tidas como essenciais para mudar o cenário econômico atual e conduzir o país à via do desenvolvimento. Em lugar das mudanças prioritárias, pode prevalecer a agenda de costumes, que em nada contribuirá para a retomada do crescimento.

A inabilidade do Executivo na relação com outras nações também pesa para as apreensões de empresários e investidores. Isso ficou claro durante as negociações para a compra de vacinas e insumos destinados à produção brasileira de imunizantes, acrescida da politização do medicamento. Um embate sem sentido entre os governos federal e paulista. Para o capital, não há o que discutir: a saúde das pessoas se sobrepõe a outros interesses.

O fechamento de fábricas da Ford foi um alerta para o poder público, que poderá ser seguido por outras empresas e estimular a evasão de investidores. São muitos os desafios da equipe econômica. É preciso ficar atento: qualquer ação que possa afetar ou aprofundar a crise sanitária prejudicará ainda mais a economia de um Brasil já combalido.

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