Andar com fé

Ana Dubeux
postado em 30/01/2021 21:44 / atualizado em 31/01/2021 10:15

Quando o coração aperta, o pé convida a caminhar. Quem me acompanha Instagram afora sabe o quanto andar pelas quadras e recantos de Brasília me inspira. Observar a cidade é um convite para renovar a fé. Sobretudo, a fé no ser humano.

Uma cidade é um coletivo de gente, de imagens, de cenas interessantes, de lugares incríveis. Brasília abusa de ser linda nesse sentido. Lambe-lambes, poemas de calçadas, diversidade de saberes e seres, o verde, a cor, o florescer, o pôr do sol. De cinza, só o concreto majestoso — e, ainda assim, ele rebola na nossa frente, se curvando quando lhe apraz. Das estranhezas vistas pelos forasteiros, a maior delas é essa sua pseudo-organização, feita para durar, mesmo que seja por decreto. Logo a gente se acostuma, quando observa que a vida se encarrega de bagunçar o nosso olhar.

Gosto mesmo de andar por aí e por aqui. Depois da covid-19, o caminhar ganhou outros significados. Testemunhar a cidade reagindo me faz até respirar melhor. É um convite para dias mais calmos, afinal precisamos deles mais do que nunca.

Eu poderia falar hoje de eleições do Congresso, de vacinas escassas, de aumento de casos da covid, das ofensas intermináveis à imprensa por parte de um governante que não consegue sequer governar a própria língua. Sobre isso, posso noticiar, repudiar, analisar dentro das possibilidades de uma repórter 24 horas, que é o que sou desde que me entendo por profissional.

Mas eu confesso que isso tem me cansado mais que andar o equivalente a uma maratona. Tenho treinado meu olhar para enxergar além da notícia. Enxergar o ser humano, em sua diversidade e em sua singularidade, me traz atualmente um aprendizado ainda maior do que analisar os fatos.

Tenho um amor enorme pelo meu ofício, pelo ambiente de redação, pela notícia. E permaneço com a convicção de que a imprensa, neste momento, tem feito um trabalho que me orgulha mais do que qualquer outra coisa.

Mas, no momento em que vemos a democracia sob o açoite dos maus políticos, respirar ar puro e observar a vida que pulsa na cidade são os escapes que me levam direto para a maior certeza: no fim, ainda chorando nossos mortos, conseguiremos sobreviver à mediocridade.

Brasília e o Brasil vão recolher suas cinzas e começar um novo tempo. Minha esperança reside nos comerciantes resistentes, nos profissionais de saúde obstinados, nos voluntários, na juventude militante de todas as causas e nas atitudes de todos aqueles que estão num front mais amplo de batalha. Meu otimismo está nas cenas que testemunho todos os dias andando pelas minhas bandas.

Sigo meu caminhar dia a dia com esse olhar e com essa fé. Quanto tempo levará para que a humanidade prevaleça sobre todo o resto? É difícil saber. Apesar disso, é preciso perseverar com esse propósito. Observando com atenção e gentileza a nossa cidade e a nossa gente, fica mais fácil achar o caminho.

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