A alma pequena

Fernando Brito
postado em 01/02/2021 10:15 / atualizado em 01/02/2021 12:43

Armas de fogo são para covardes. Nenhum povo realmente civilizado deveria permitir o uso desses equipamentos por pessoas fora do meio da segurança pública. Ou seriam agentes credenciados pela lei para combater o crime, ou estariam, justamente, do lado dos bandidos. Simples assim. Afinal, qual é a finalidade essencial de um projétil, senão ceifar a vida? Portanto, o único porte legítimo estaria a cargo de policiais e demais militares autorizados — tendo em vista que a prerrogativa de uso extremo da força é exclusiva do Estado, em situações excepcionais e urgentes, com o objetivo de proteger um bem maior.

O momento, no Brasil, no entanto, é alarmante. Após a ascensão do governo Bolsonaro, as normas para acesso às armas foram flexibilizadas e está em curso uma verdadeira explosão na aquisição desses equipamentos em todo o país. De janeiro a agosto de 2020, houve aumento de 120,3% no registro de armas para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs). Em 2019, foram 225,3 mil inscrições. Apenas em oito meses do ano seguinte, o número subiu para 496,2 mil. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Até outubro passado, eram 2,2 milhões de registros ativos no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército brasileiro, que contabiliza, por exemplo, armas a policiais e bombeiros, além dos CACs, e no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal.

A despeito das pretensas lícitas intenções dos grupos civis autorizados pela legislação, é notório o favorecimento que as organizações criminosas fazem do discurso defendido pelo presidente Bolsonaro, que ganhou milhares de votos defendendo o armamento da população como medida de segurança pública. Os fatos falam por si. Na última semana, os jornais estamparam a vergonhosa prisão de militares em um esquema de fraudes de registro de armas. Eram cobrados de R$ 300 e R$ 3,5 mil para inserir dados falsos de atiradores no sistema. Uma bagatela para mafiosos especializados em assassinar o povo brasileiro – foram 25.712 mortes violentas de janeiro a junho de 2020, segundo o Monitor da Violência.

Aparentemente, os trágicos números não comovem mais uma significativa parcela da população do país — os dados diários da pandemia confirmam isso. Mas, talvez, seja necessário insistir um pouco mais na esperança de mudar os rumos em sentido positivo. Entre a pequena alma de um Messias com gestos mais próprios do anticristo e o grande espírito de um líder que conduziu uma nação à independência pelo caminho da não violência, o segundo exemplo é o único aceitável, com um mínimo de racionalidade.

Nas palavras de Mahatma Gandhi: “A não violência é a maior arma à disposição dos homens. Posso imaginar um homem armado até os dentes que no fundo é um covarde. A posse de armas insinua um elemento de medo, senão mesmo de covardia. Mas a verdadeira não violência é uma impossibilidade sem a posse de um destemor inflexível.” Que, em um futuro próximo, tenhamos sabedoria para nos livrar do destino sombrio que ameaça a vida do nosso povo.

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