A criança brinca com a taça de cristal. Ela a coloca em direção ao sol e vê como brilha. A criança se encanta. De repente, impõe força desmedida e a taça se quebra. Perde toda aquela beleza e se transforma em cacos. A criança chora por entender que não se pode mais recuperar o que foi estilhaçado. Assim é a democracia. Algumas semanas atrás, conversei com o historiador político Allan Lichtman, professor da American University, em Washington. O Capitólio tinha acabado de ser invadido por um bando de trogloditas que se escoraram na pretensa liberdade e na noção distorcida de que o Parlamento é a casa do povo. Lichtman disse que a democracia é preciosa, e, como a maioria das coisas preciosas, mostra-se frágil.
Nos últimos dias, ela foi colocada a prova em dois países. Na Rússia, do quase czar Vladimir Putin, o líder opositor Alexei Navalny foi preso pouco depois de retornar a Moscou. Não contente, o Kremlin deteve a esposa de Navalny e aliados. Mas a democracia foi vilipendiada, violentada, surrupiada e enojada depois que as forças de segurança russas prenderem (pasmem!) 5.300 manifestantes que pediam a libertação imediata de Navalny. Fosse um protesto a favor de Putin, provavelmente o evento transcorreria sem problemas.
Em Mianmar, antiga Birmânia, o Exército usou bem mais do que um cabo e um soldado para expulsar do poder um partido eleito democraticamente, sob a alegação não comprovada de fraude. A líder da principal legenda governista e Nobel da Paz em 1991, Aung San Suu Kyi, foi detida e trancafiada em local desconhecido. Sob o pretexto de preservarem a estabilidade, os militares impuseram estado de exceção com validade de um ano e chegaram a interromper as comunicações telefônicas e as conexões sem fio de internet. Sequestraram o poder e feriram de morte a democracia. A população é quem paga o preço, vítima do açodamento da instabilidade de uma nação.
No Brasil, o negacionismo, o controle das instituições, o estímulo à polarização política e o discurso do ódio contra a imprensa colocam em risco uma democracia jovem e ainda inexperiente. As presidências das duas casas do Congresso acabam de ser eleitas após conchavos políticos e suspeitas de emendas parlamentares de cifras vultosas. Um “presente” do Executivo para forçar alianças. Enquanto isso, a população carente amarga o fim do auxílio emergencial. É bom que cuidemos de nossa taça de cristal, antes que ela se estilhace, levando nossa liberdade, nossos sonhos e nossa luta pelo pluralismo de ideias.
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