PANDEMIA

Covid-19, oxigênio para a Ciência, Tecnologia e Inovação

''Neste ano de 2021, o cenário é ainda mais sombrio, com a previsão de cortes da ordem de R$ 1 bilhão, o equivalente a 17,5% das despesas discricionárias das Universidades Federais''

» RENATO SÉRGIO BALAO CORDEIRO Pesquisador Emérito da Fundação Oswaldo Cruz
membro titular da Academia Brasileira de Ciências
do Conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Coalizão Ciência e Soci
postado em 08/02/2021 13:17 / atualizado em 08/02/2021 14:11

Pesquisador Emérito da Fundação Oswaldo Cruz, membro titular da Academia Brasileira de Ciências, do Conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Coalizão Ciência e Sociedade

 

No último dia 15, a comunidade científica foi positivamente surpreendida com uma carta, em que o presidente declarava: “Por isso, creio ser fundamental renovar e revigorar nossa estratégia nacional de ciência e tecnologia para nos colocarmos em um rumo forte pelos próximos 75 anos, para que nossos filhos e netos possam viver em um ambiente mais saudável, seguro, justo, tranquilo, e em um mundo próspero. Esse esforço exigirá que reunamos nossas mentes mais brilhantes na academia, medicina, indústria e governo — derrubando as barreiras que muitas vezes limitam nossa visão e nosso progresso e priorizando as necessidades, interesses, medos e aspirações do povo... ”.


Infelizmente, tal mensagem não foi de autoria do governante brasileiro, mas do novo presidente norte-americano, Joseph Biden, que se dirigia a Eric Lander do MIT e Harvard, o novo diretor do Gabinete de Políticas de Ciência e Tecnologia dos Estados Unidos.


No Brasil, os institutos de pesquisa e as universidades federais e estaduais têm dado inequívocas demonstrações de competência e produtividade em todas as áreas do conhecimento — especialmente, no combate à covid-19 —, com o reconhecimento da comunidade internacional. Entretanto, na contramão da história, o governo federal e o seu Ministério da Economia têm promovido absurdos cortes orçamentários e contingenciamentos, inviabilizando ações nessa área estratégica para o futuro da nossa nação.


Neste ano de 2021, o cenário é ainda mais sombrio, com a previsão de cortes da ordem de R$ 1 bilhão, o equivalente a 17,5% das despesas discricionárias das Universidades Federais. Tais cortes vão ocasionar dificuldades significativas para o funcionamento das instituições de ensino superior, incluindo o pagamento de servidores terceirizados e outros investimentos fundamentais para a manutenção e desenvolvimento de pesquisas, tais como aquelas voltadas à covid-19.


Para piorar o quadro, o governo promoveu o corte de 68,9% na cota de importação de equipamentos e insumos destinados à pesquisa científica no país. Tal medida prejudicará frontalmente as investigações em curso nas instituições brasileiras, inclusive na Fundação Oswaldo Cruz e no Instituto Butantan, que estão na linha de frente no combate à pandemia.


Segundo o Jornal da USP, “a situação do CNPq é preocupante. O orçamento de fomento da agência ao financiamento de projetos de pesquisa é de apenas R$ 22,5 milhões, dos quais R$ 12,1 milhões estão condicionados à liberação de créditos suplementares”. Se essa situação perdurar, a principal agência de fomento à pesquisa científica no Brasil será desmontada, sucateada.


Contudo, uma tênue luz de esperança acendeu-se com a aprovação do PLP 135/2020 pelo Congresso Nacional, liberando os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) — a principal fonte de recursos para a CT&I no país desde a sua criação em 1969. Mas, ao vetar dois pontos fundamentais, que determinavam a liberação imediata dos recursos retidos e proibiam novos contingenciamentos no FNDCT, o presidente da República definitivamente inviabilizou os principais propósitos do projeto de lei.


O FNDCT, administrado pela Finep, consiste num fundo contábil imprescindível à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil. O fundo foi estratégico para o desenvolvimento da pós-graduação no país e constituiu a principal fonte financiadora do exitoso programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, os INCTs. Saiba o leitor que tais ações foram primordiais para os grandes saltos tecnológicos no país, com a construção e consolidação de vários projetos como o do Laboratório de Tecnologia Oceânica (LabOceano) na COPPE/UFRJ — um dos maiores do mundo para o estudo de estruturas flutuantes e operações no mar —, o projeto Sirius em Campinas, o processo de automação robotizada liderado pela Embraer, o Centro de Tecnologia da PUC-RJ, o apoio a projetos e aquisição de equipamentos de alta complexidade na USP, Embrapa, Unifesp, UFMG, CNEN, Inpe, Inmetro, IuperJ, Museu do Homem da UFMG, entre centenas de outros apoios estratégicos às instituições brasileiras. 


Na prática, inviabilizar o FNDCT significará asfixiar a CT&I no Brasil. Será impedir o seu acesso essencial ao oxigênio necessário à sua sobrevivência, na UTI orçamentária em que se encontra. Será impedi-la de contribuir para com a busca de caminhos e soluções para o enfrentamento dos desafios presentes e futuros impostos pela pandemia da covid-19, tais como o desenvolvimento de vacinas, medicamentos e novas tecnologias.


O futuro da CT&I, no Brasil, está nas mãos do Congresso Nacional que, num futuro próximo, examinará e votará os vetos presidenciais ao projeto do FNDCT. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências e mais de 90 entidades científicas, tecnológicas e acadêmicas criaram um movimento para sensibilizar os parlamentares a retomar o espírito original do PLP 135/2020, derrubando os vetos da Presidência. É a nossa grande esperança para o futuro.

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