A falta que a cultura faz

''Recua Arthur. Em seu discurso de posse, fizeste uma bela homenagem a Niemeyer sobre a sutileza do Plenário. Mantenha a lógica e se convença de que a suprema atitude viril é enfrentar os desinformados e os convencer da obediência ao bom senso e ao dever''

» PAULO DELGADO Foi deputado federal por Minas Gerais
postado em 11/02/2021 06:00 / atualizado em 11/02/2021 08:51

A tendência de achar que a força e o poder estão no excesso costuma reduzir à insignificância todas as outras coisas que seriam consideradas normais.

Normalmente, a pessoa que nos rodeia aos milhares não sabe muito bem para que vale a cultura. Não é, no entanto, um medíocre. Ninguém o força a pensar o que não quer, não aceita participar do mal por ignorância e costuma ser pessoa que sabe bem o que depende e ou não depende dela. Mas, quando um poderoso é insensível às suas deficiências e cego em relação ao futuro, por desprezar o passado, costuma ser um erro irreparável para o presente do país.

O novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, indiferente à história da capital do país e da Praça dos Três Poderes, está cometendo um erro ao eleger adversários entre seus desiguais. Como se sua vitória intimidasse o passado, calasse historiadores e tornasse refratário à política todo o ambiente da cultura e do patrimônio histórico nacional.

Não é o primeiro presidente que não consegue dar nobreza à vitória e tornar amena a dissidência. Já vi presidentes da Câmara, insuflados por presidentes da República, preferirem comprar inimigos do que prestigiar amigos. Presidentes de origem popular mudarem os heróis nacionais, trocarem quadros das paredes, virarem mesas e pintarem corredores com cores inadequadas. Dois pelo menos tentaram o mesmo que Lira agora parece conseguir. De nenhum deles me assusta a impertinência, mas a perseverante obediência passiva ao preconceito sobre a importância da história.

O comitê de Imprensa da Câmara dos Deputados está ali há 60 anos. Idealizado por Oscar Niemeyer, é fruto de uma visão ampla e informada da vida democrática e uma marca do parlamento brasileiro. Sempre o Brasil foi signatário de acordos em que a visão de que as notícias e as decisões do poder do parlamento precisam de cobertura privilegiada e rapidamente chegar a toda a sociedade. Não é possível aceitar a ideia de que as intenções dos fundadores da capital nos enganaram.

Vencer uma eleição não é confundir o excesso de consciência dos próprios interesses com o poder que acabou de adquirir por presidir a Câmara por dois anos. O presidente da Câmara está equivocado se imagina que tem o poder de mudar a história do sexagenário Plenário que presidirá e que é parte da decisão história da Unesco de tombar a primeira cidade modernista do mundo.

Não se deu conta de que a inimiga mais poderosa da boa decisão é a desinformação. E que, quem não admira nada do passado, não pode melhorar no presente.

Foram várias as decisões que levaram a Unesco a proteger Brasília de empreiteiros predadores e políticos carnívoros. Primeiro, foi reconhecer que o Brasil conseguiu construir do nada uma das mais importantes capitais do mundo. Não é possível destruir por nada o maior esforço dos brasileiros em toda a sua história começada a ser escrita em 17 de abril de 1823 na província do Rio de Janeiro. Foi o presente e a grandeza dos líderes dos anos 1950 e 1960 que nos legaram a decisão da Unesco.

A ONU mudou seus conceitos e passou a ver como essencial ao futuro reconhecer uma cidade moderna, não catalogada no patrimônio mundial, como apresentou a corajosa formulação de José Aparecido de Oliveira, primeiro governador da capital.

Talvez Arthur Lira não se dê conta de que sua vitória não o faz uma obra-prima da política brasileira. Mas que possa estar usando sua momentânea situação favorável para tirar proveito de uma situação que pode levar a Unesco a desistir de considerar Brasília relevante. Minha sugestão é que tire melhor vantagem da trégua ou não esquarteje a história.

Ao abandonar, depois de sessenta anos, a Praça dos Três Poderes e ficar de costas para o Executivo e o Judiciário, quem sabe o Presidente Arthur Lira não perceba que vai ficar exatamente de frente para a Torre de Televisão, tudo o que quer evitar.

Recua Arthur. Em seu discurso de posse, fizeste uma bela homenagem a Niemeyer sobre a sutileza do Plenário. Mantenha a lógica e se convença de que a suprema atitude viril é enfrentar os desinformados e os convencer da obediência ao bom senso e ao dever.

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