Opinião

O Grande Homem

Otávio Santana do Rêgo Barros*
postado em 16/02/2021 08:10 / atualizado em 16/02/2021 10:33
 (crédito: Cb/D.A Press)
(crédito: Cb/D.A Press)

Feriados prolongados são ocasiões propícias para leituras densas, instigantes. Neste carnaval pandêmico não fugi ao script. Debrucei-me com avidez sobre um dos livros do escritor e filósofo francês André Maurois (1885-1967).


Diálogos sobre o Comando (Bibliex-1996) é sua obra mais refinada e polêmica, na qual bosqueja suas razões para defender o princípio da autoridade, muito embora nutrisse verdadeira repugnância à tirania.
Vale-se, no intento, de um diálogo fictício transcorrido em 1923, entre um jovem tenente — o autoritário — e seu velho professor de filosofia — o amante da liberdade.


Filósofo e tenente, ambos, me impactaram com suas argumentações. Utilizo-me de extratos do texto, desejoso de entusiasmar os leitores a analisar, à luz dos conceitos neles contidos, a política de momento em nosso país.


Maurois, no personagem do Filósofo, considerava que “não há felicidade sem liberdade”, e avança ao afirmar que nos regimes onde sobrevive a escravização dos espíritos, a proibição de pensar, de falar e de julgar os governos, a existência não é tolerável.


É nessa condição que o chefe, pouco a pouco, se cerca de fanáticos e bajuladores, e escoima aqueles que eventualmente discordam de suas certezas. Não é informado por temor de ser desagradado, não detendo, em consequência, as melhores condições para servir aos subordinados. Reforça Maurois que não encontrou chefe sem controle que não tenha perdido a cabeça.


Afiança que nenhum deles pode fazer sozinho: o trabalho de comandar um exército (permita-se substituir por outra qualquer instituição). Ele vale pelo que vale a soma de seus subordinados.
Precisa ser semeador das grandes ideias. O marechal não deve se preocupar em contar quantos tiros de obuses tem a bateria, para isso há um capitão. Deve promover, a seu nível, a manobra das tropas em ambiente estratégico ou a manobra logística para abastecê-la com alimentação, combustível ou munição necessária.


Defende, o autor, um parlamento forte e independente que impeça a megalomania dos grandes. Estes devem aceitar discutir, serem discutidos, serem substituídos e até se demitirem.


Procura com lupa uma agulha no palheiro da história. Na visão do filósofo, um chefe que tenha resistido sem temblar aos perigos do poder absoluto.


Chega a exemplificar sua tese oferecendo críticas contundentes a dois grandes — talvez os maiores — da nação francesa: Luís XIV e Napoleão Bonaparte.


Do primeiro, tudo poderia se dizer ao rei com a condição de deixar subtendido - vós sois o senhor! Adulação lhe agradava a tal ponto que as mais grosseiras eram as mais saboreadas.


Do segundo, cedo vem a se considerar um ser “isolado no mundo”, destinado a governar e dirigir todos os espíritos a seu modo.


No esgrimir de ideias, o tenente emprega o afiado sabre divagando que o homem de ação se encontra à beira de um abismo escuro onde se agitam as formas vagas e ainda inconsistentes do futuro, formas que lhe cabe, se desejar, esculpir.


O mundo de amanhã espera pelo herói que saiba modelá-lo. O grande homem logo reconhece o fato novo e o incorpora ao seu pensamento. O grande homem logo discerne o extraordinário do impossível. O grande homem leva a ordem ao perigo sem a qual a tropa rompe a linha de partida já derrotada.


Sabe que diante de sistemas ultrapassados (ouso corrigir Maurois, substituindo ultrapassado por viciado e corrompido) é preciso ter coragem para enfrentá-los e até abandoná-los.


Usa uma metáfora que me recordou o trânsito em torno do Arco do Triunfo, em Paris. Um motorista de vontade firme, quando mantém sua direção, os outros se afastam dando passagem ao suposto imprudente. A hesitação nesta hora é bem mais perigosa que a audácia.


O grande homem sabe que o único caminho real de ação é a política. Teme, por isso mesmo, que um sucesso inesperado (ele usa injusto) possa durar anos, uma vida inteira e, durante esses períodos curtos em relação à eternidade, ser governado por homens indignos ou cruéis.


Precisamos de ação neste momento. Do grande homem — que logo se apresente — deseja-se que “não se curve para fazer à glória uma reverência senil”. O trono será sempre uma prancha de madeira forrada de veludo, dizia Napoleão. Siga firme ao volante de seus propósitos. É uma questão de determinação.
Paz e bem!

*General R1.

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