Aconteceu em 8 de abril de 1995. Se eu estivesse armado naquela noite, provavelmente estaria sepultado em um dos cemitérios de Goiânia. Havia chovido naquele sábado, e a noite estava fria. Fui abordado ao entrar no carro por um homem que golpeou o vidro do lado do motorista com a coronha do revólver. Fiquei em poder de dois bandidos durante cerca de uma hora. Tive a certeza absoluta de que morreria. Seguiram para uma estrada vicinal a 30km da capital goiana. Fechei os olhos, enquanto o cano gélido da arma pressionava minha nuca. Eu me pus a rezar o Pai Nosso baixinho. Fui chamado de "bicha" por um dos assaltantes. Argumentei que se tirasse o revólver da minha cabeça ficaria em silêncio. No destino, mandaram que eu ficasse somente de cueca e fosse para a frente do carro. Um encostou o revólver em minha testa, outro, em minha nuca. Foram pelo menos 20 eternos minutos de tortura psicológica. Discutiam se me matariam ou não.
Dia 8 de abril é meu segundo aniversário. Aquele sábado chuvoso de 1995 também foi o dia em que me dei conta de que abomino armas. Elas não foram feitas para proteger, mas para matar. Pura e simplesmente. Chega a ser inescrupuloso um líder fazer de sua bandeira a flexibilização do acesso às armas. Convite para tragédia. Quantas crianças serão feridas gravemente ou perderão a vida em acidentes banais e estúpidos dentro de suas próprias casas? Quantas vítimas de assalto não terão a mesma sorte que eu e serão castigadas com a morte por seu algoz, que nada tem a perder? Quantos feminicídios teremos na conta do Estado? Quantas discussões em bares serão resolvidas a bala, desgraçando famílias inteiras?
Onde está a vantagem em ter armas? Nos Estados Unidos, vez ou outra, adolescentes promovem matanças porque o próprio sistema facilita isso. Queremos o mesmo no Brasil? Como ficarão os pais, com medo de que seus filhos jamais retornem para casa? Também nos EUA, milícias fortemente armadas saem às ruas e são protegidas pela Constituição. Nossa Carta Magna proíbe a associação de pessoas armadas. Queremos nos tornar uma nação de milicianos? Curioso que, enquanto o presidente apregoa seus decretos sobre armas como uma atitude extraordinária, quase 250 mil brasileiros foram ceifados por um vírus que escorou na própria ineficiência e no negacionismo do governo. Já não temos tragédia suficiente?
O pacifismo é a solução. Não precisamos alimentar a indústria armamentista. Não temos que dar carta branca à ideologia belicista somente porque o Estado está tomado de militares. Temos a obrigação de preservar vidas. Missão que deveria caber, primeiramente, ao chefe de Estado e de governo do Brasil. Além disso, será que não é óbvio demais que as armas acabarão em mãos de bandidos? Espero que você, caro leitor, jamais passe pela experiência que vivi há exatamente 9.447 dias. O trauma ainda me persegue. Ainda bem que aquele gatilho não foi apertado.
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