Nem mesmo o status social salva as famílias brasileiras do aperto financeiro imposto no país depois que a pandemia do coronavírus agravou a crise econômica instalada no país no fim de 2019. Retrato dessa face preocupante do Brasil, que afeta pobres e ricos, a alta inadimplência é também uma espécie de calcanhar de Aquiles. Ela ronda as perspectivas de recuperação do país neste ano, também prejudicadas pelo negacionismo do governo federal agora apresentando parcela da sua conta no ritmo lento e incerto da campanha de vacinação contra a covid-19.
Não há como avançar em qualquer medida de recuperação da economia sem atenção redobrada à expressão que a inadimplência ganhou, ainda que alguns indicadores tenham mostrado queda da taxa no fim de 2020. Quem dera que esse indicador dissesse tudo sobre o calote financeiro. Pelo segundo mês em janeiro subiu a proporção de famílias endividadas, seja no cheque pré-datado, seja no cartão de crédito, cheque especial, carnês de lojas, crédito consignado, empréstimo pessoal, financiamento de carros ou da casa própria, segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Alcançou 66,5%, portanto mais de dois terços, o percentual das famílias brasileiras que informaram ter dívidas a pagar. Depois de três reduções captadas pelo levantamento, aqueles grupos com renda de até 10 salários mínimos viram o seu endividamento crescer, representando 67,9% do total em janeiro. No mesmo mês de 2020, eles representavam universo de 66,4%.
Entre a população com rendimentos superiores a 10 salários mínimos, a proporção de endividados também cresceu para 60,7% no mês passado. Esse percentual esteve em 60,9% em janeiro de 2020 e 60% em dezembro último. Os números podem indicar que no caso das famílias mais pobres a falta do auxílio emergencial é fato e já não pode ser contestada. Para os abastados, a análise mais próxima da realidade é a de que eles estão voltando ao consumo, o que é muito bem-vindo para a economia, mas o momento não permite ilusões.
A pesquisa da CNC destaca o impressionante nível de comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas que passa da metade. Na média, está em 30,9% para famílias que ganham até 10 salários mínimos e 27,6% no grupo daqueles com maior renda disponível.
Diante desse cenário, não adianta o país se fiar em dados como a queda do percentual de famílias com dividas ou contas em atraso, que era de 25,2% em dezembro e recuou a 24,8% no mês passado. Milhares de brasileiros e empresas recorreram a crédito para tentar vencer os efeitos da pandemia, que ceifou empregos, renda e negócios país afora. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) constatou que os empréstimos bancários foram turbinados em 15,4% no ano passado, maior aumento verificado pelas instituições financeiras nos últimos oito anos.
No entanto, agora, os programas emergenciais chegaram ao fim e a pressão pelo ajuste fiscal corre livre pelos gabinetes da equipe econômica, do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional. Na avaliação da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), a taxa de inadimplência caiu em 2020 devido à disposição dos bancos de suspender os pagamentos dos financiamentos bancários em alguns momentos da pandemia e devido à ajuda do auxílio emergencial. Para 2021, a expectativa dos donos do dinheiro é de aumento do calote. Os principais bancos, de acordo com a Febraban, preveem elevação do indicador de 3,5% para 4,5% em maio e 4,7% em agosto.
A própria Anefac observou, ainda, acréscimo nas taxas de juros cobradas em todas as linhas de financiamento em dezembro, após sete meses de recuo. Trata-se de um outro mal sinal para a economia. Pelas demonstrações do ministro da Economia, Paulo Guedes, e as informações dos bastidores de suas ante-salas, o pacote de medidas anticrise preparadas para 2021 busca menor dependência do Tesouro e amenizar o impacto delas nas contas do governo. Se esse for o princípio, os brasileiros ficarão, de novo, com a fatura do sacrifício nas mãos.
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