Contenham os cães raivosos

''Tudo posto e contabilizado, fica a lição de que a mansidão é uma virtude a ser cultivada e valorizada para escaparmos desses tempos tão truculentos e belicosos''

Fernando Brito
postado em 22/02/2021 06:00 / atualizado em 22/02/2021 09:08

Descobri, na última semana, certa vocação para ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Residente em uma pequena comunidade rural no Entorno do DF, tive a cadelinha de estimação atacada por raivosos cães tutelados por um vizinho. A pobrezinha sangrou, levou pontos no lombo e em uma das patas. Felizmente, recupera-se bem. Antes de mais um lamentável incidente, pois trata-se da terceira ocorrência do tipo, fiz reiterados e fracassados apelos ao grisalho cidadão — pasmem, um aposentado professor de artes — para que controlasse os próprios animais, com uso de coleiras e guias durante os passeios, mas fui solenemente ignorado. Era uma tragédia anunciada.

Desta vez, no entanto, decidi reagir de forma mais enérgica, mas em acordo com o devido processo legal. Como ato de repúdio, organizei um abaixo-assinado, com mais de 15 manifestações de apoio de outros vizinhos, que também sofreram prejuízos provocados pelos agressivos cães do avô, que não respeita os próprios cabelos brancos. Apresentei uma queixa formal à administração do condomínio. Irei à delegacia local solicitar o registro de um boletim de ocorrência e, por fim, tentarei ajuizar uma ação para reparação de danos. Com isso, espero, enfim, que o malfeitor evite a repetição ou mesmo incidentes mais graves. Se acontecer, não será por falta de aviso.

Paralelamente ao meu pequeno drama pessoal, o país assistia ao surpreendente desfecho do mais triste carnaval da nossa história recente. Sem direito à folia, a quarta-feira de cinzas não teve o enfadonho som da apuração das notas das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, mas se surpreendeu com a súbita prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), acusado de criminosos ataques à ordem democrática. Controvérsias do formalismo legal à parte, os ministros do STF me pareceram mais reflexivos do que eu para conter a matilha raivosa que proclama bravatas contra a nação.

Tudo posto e contabilizado, fica a lição de que a mansidão é uma virtude a ser cultivada e valorizada para escaparmos desses tempos tão truculentos e belicosos. Quase sinto pena do parlamentar que viu o sol nascer quadrado, simplesmente por se deixar dominar por sentimentos tão odiosos. Tivesse ouvido o conselho dos Originais do Samba, talvez, fosse um homem mais feliz: “Falador passa mal”.

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