ARMANDO CASTELAR Economista, coordenador da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV)
Após três anos em que não preocupou muito, a inflação voltou com tudo à mesa dos brasileiros em 2020. Este ano, ela vai retornar com ainda mais intensidade às manchetes, virando um tema central no debate econômico. Isso não apenas no Brasil, mas, também, nos Estados Unidos ( EUA) e, quem sabe, globalmente. E o debate não se restringirá às altas mais salgadas de preços, mas se estenderá a como as autoridades monetárias reagirão a elas, assim como às implicações disso para os mercados financeiros.
Depois de chegar a 10,7% em 2015 e 6,3% em 2016, a inflação caiu bastante em 2017 (2,9%) e 2018 (3,7%), antes de subir para 4,3% em 2019. Ano passado foi de 4,5%. O que surpreende nesta última taxa, porém, é menos o valor em si, mas que a inflação tenha superado a meta do Banco Central (BC) em um ano em que o PIB caiu mais de 4%. De fato, em meados de 2020, tanto o mercado (Focus) quanto o BC (Relatório Trimestral de Inflação) apostavam em inflação bem abaixo disso: 1,6% e 2,0%, respectivamente.
Cinco fatores principais estão por trás desse retorno da “velha senhora”, como era comum chamar a inflação nos tempos em que ela assustava muito. Primeiro, há um efeito base. A forte contração do PIB no segundo trimestre de 2020 puxou os preços para baixo, reduzindo a inflação, que só se normalizou com a melhora da atividade. Basta ver que, no Brasil, o IPCA subiu 0,1% no primeiro semestre e 4,4% no segundo. Nos EUA, esses valores foram de 0,3% e 1,0%, respectivamente.
Conforme as taxas mensais da primeira metade de 2020 forem substituídas por outras mais altas nos próximos meses, a inflação acumulada em 12 meses vai subir com força. Pelas previsões do Focus, ela deve superar 6% em maio, permanecendo em torno desse nível até agosto, caindo depois. Taxas nesse patamar por tanto tempo vão pressionar expectativas e preços no resto do ano.
Segundo, a forte alta dos preços em dólar de commodities, fruto da retomada econômica global, em especial na Ásia. No Brasil, a desvalorização cambial magnifica esse efeito. Em menor grau, também se observa uma maior pressão na inflação de outros bens, fruto da alta das vendas no varejo e da produção industrial, em um quadro em que as empresas operam com estoques baixos e têm dificuldade para obter peças e insumos.
De acordo com o índice de commodities do Banco Central, nos 12 meses até janeiro, os preços em reais de commodities agrícolas subiram 40%, enquanto as metálicas tiveram alta de 62%. A exceção foram as commodities de energia, cujos preços subiram “apenas” 20%. Essa é a nova fonte de pressão inflacionária: a retomada global vai pressionar os preços do petróleo, depois de um ciclo de baixo investimento. O anúncio de troca de comando da Petrobras na semana passada foi apenas o primeiro sintoma do estresse que virá daí.
O terceiro fator é o reajuste de preços que foram congelados e/ou reduzidos durante o auge da pandemia. Por exemplo, os preços dos planos de saúde tiveram alta média anual de 10,6% em 2012-19, mas ano passado subiram 2,5%. No caso das passagens de ônibus urbano, os valores são de 6,3% e 1,4%, respectivamente. Da mesma forma, para os cursos regulares, os valores foram de 7,8% e 1,1%. Aos poucos, conforme a situação se normalize, os aumentos represados vão começar a aparecer.
Quarto, os novos estímulos fiscais ora sendo considerados vão pressionar os preços. Isso é mais evidente nos EUA, não só pelo tamanho do pacote de gastos sendo discutido, mas, também, porque a vacinação tem avançado bem mais, sinalizando uma alta significativa na demanda privada, mais à frente no ano. A forte alta na inflação implícita nas taxas de juros dos títulos públicos americanos de cinco anos, em torno de 2,3%, a mais alta em 10 anos, é um reflexo disso. No Brasil, o retorno do auxílio emergencial também pressionará os preços, mas em escala mais modesta.
Por fim, há a postura das autoridades monetárias. Novamente, isso é mais evidente nos EUA, com o Fed, o banco central americano. Este tem repetido que manterá os juros baixos mesmo que a inflação supere a meta de 2% por um tempo. Além disso, recentemente, enfatizou que objetivos como pleno emprego, igualdade social e itens da agenda ESG, como o meio ambiente, ganharão proeminência.
É menos claro como o nosso BC vai reagir a essas pressões inflacionárias. A Selic subirá este ano, mas de quanto e quando é difícil prever. E os acontecimentos da semana passada complicaram ainda mais decisões que já não eram fáceis.
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