Prisão em flagrante determinada por juízes

''Não tenho dúvida de afirmar que, em circunstâncias excepcionais, da qual o flagrante em audiência é situação ilustrativa, os juízes podem determinar a prisão ainda que de ofício''

Correio Braziliense
postado em 25/02/2021 06:00 / atualizado em 25/02/2021 08:44
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)

ATALÁ CORREIA
Juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Doutor em direito pela USP e professor no IDP 

 

Perguntaram-me se os juízes podem prender de ofício, vale dizer, sem prévio pedido da acusação criminal. A questão surgiu no contexto dos recentes fatos que levaram à prisão de deputado federal. Não nos cabe discutir aquele caso. Seria leviano fazê-lo sem conhecer de perto aquilo que ocorreu. Todavia, o tema merece ser abordado independentemente do pano de fundo atual. Os juízes não devem, em circunstâncias ordinárias, determinar a prisão de ofício, porque, ao assim proceder, assumem a posição do órgão acusador, revelando perda de imparcialidade.

Entretanto, a vida não é feita apenas de circunstâncias ordinárias. Como nos lembra João Guimarães Rosa, “sertão é quando menos se espera”. Os fatos estão sempre a surpreender o julgador. Não é raro, por exemplo, que haja, na presença do juiz, durante as audiências que conduz, agressões a partes, a advogados e eventualmente ao próprio julgador. Diante disso, o que o juiz deve fazer? Se o Ministério Público está presente, certamente poderá manifestar-se como órgão acusador, mas, eventualmente, não está.

Diz-nos o Código de Processo Penal que, independentemente de ordem judicial, qualquer pessoa do povo pode prender aquele flagrado durante a prática criminosa (art. 301, CPP), ou que acaba de cometê-la, que é perseguido após o crime ou que, logo em seguida, é encontrado com armas ou objetos que o façam presumir ser o autor da infração.

A prisão em flagrante é esta medida excepcional que assegura, a qualquer pessoa, manter a ordem pública, fazendo cessar a prática criminosa, mas que, dada a sua precariedade, tem curtíssima vigência. Por isso, após o flagrante, o preso deverá ser, em breve espaço de tempo, apresentado ao juiz para realização de audiência de custódia. Então, se perceber que nada havia a justificar a prisão, o juiz deve de pronto relaxá-la.

Se estavam presentes os requisitos do flagrante, o juiz deverá ouvir a acusação e a defesa, momento em que poderá determinar a prisão preventiva, ou seja, determinar que o preso continue nessa condição até seu julgamento. O juiz também pode autorizar que o conduzido venha a responder a processo em liberdade. De modo subsidiário, podem ser determinadas outras medidas, como fiança e uso de tornozeleira eletrônica.

Ora, se ocorre um crime durante a audiência, qualquer pessoa ali presente pode prender outra, mas é comum que haja resistência das demais. Pode ser que os presentes se calem diante da agressão que presenciaram. Essas dificuldades práticas levam-nos, invariavelmente, à pessoa do juiz, pois ele preside a audiência, resguarda a Constituição naquele recinto, e, por isso, autoriza os policiais a realizaram a prisão ou não.

Por isso, de modo inescapável, o tema coloca-nos diante da figura do julgador. Sem dúvida, sua tarefa é ouvir e decidir, mantendo-se imparcial. Mas sua função vai muito além disso. Juízes erram e acertam, quando são justa ou injustamente criticados pelas decisões que tomaram, como deve ser em uma sociedade aberta e democrática. É necessário dizer, a bem da verdade, que sempre há dois interesses contrapostos e, por isso, o juiz será criticado qualquer que seja sua decisão. Não por outro motivo, raramente, os juízes atraem a simpatia da sociedade.

Quero dizer com isso, que não cabe aos juízes simplesmente “decidir”, como talvez uma máquina seja capaz de fazer algum dia. Não cabe a eles escrever teoria social, crítica jornalística ou científica. Os juízes não só decidem, mas essencialmente carregam sobre seus ombros a responsabilidade moral pelo trabalho que exercem. Seus nomes estarão intrinsecamente vinculados às decisões que proferiram, jamais podendo delas se desvincular.

Não tenho dúvida de afirmar que, em circunstâncias excepcionais, da qual o flagrante em audiência é situação ilustrativa, os juízes podem determinar a prisão ainda que de ofício. Os advogados e promotores exercem funções imprescindíveis à administração da Justiça, mas é sobre os juízes que recai, de modo definitivo, a responsabilidade moral de bem decidir e de resguardar a Constituição Federal. O juiz que se cala diante de flagrante delito ocorrido em sua sala não pode alienar sua responsabilidade a outrem. Se errou, cabe-nos a crítica, mas não sem antes realizar a autorreflexão sobre o que faríamos se carregássemos igual responsabilidade e sem antes avaliar as responsabilidades legalmente atribuídas ao julgador.

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