Predadores na família

''Uma menina de 8 anos foi salva por vizinhos, no domingo passado, quando era abusada sexualmente pelo próprio pai, em Varginha (MG). Eles ouviram os gritos de socorro da criança e, revoltados, espancaram o criminoso até a morte''

Uma menina de 8 anos foi salva por vizinhos, no domingo passado, quando era abusada sexualmente pelo próprio pai, em Varginha (MG). Eles ouviram os gritos de socorro da criança e, revoltados, espancaram o criminoso até a morte. A garotinha contou à polícia que já vinha sendo violentada há tempos.

O sofrimento dessa menina e de tantas crianças neste país vai ao encontro do que mostram as estatísticas sobre estupro de vulneráveis. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no fim do ano passado, mostrou que, em 2019, houve 66.123 estupros e estupros de vulneráveis. Desse total, 57,9% das vítimas tinham, no máximo, 13 anos; 18,7% estavam na faixa entre 5 e 9 anos; e 11,2%, foram de bebês de 0 a 4 anos. Os dados destacam que, em 84,1% dos casos, o abusador era da família ou pessoa de confiança da vítima.

E — sempre lembrando — esses números nem refletem a totalidade da barbárie, por causa da subnotificação. Integrantes da família ou são os algozes ou, mesmo cientes da violência, se calam, seja para preservar a “harmonia” do lar, seja por ameaças do molestador.

Além disso, meninos e meninas, muitas vezes, não compreendem que estão sofrendo abusos, justamente porque a violência ocorre no ambiente familiar, cometida por alguém de quem eles gostam: pai, irmão, tio, avô, por exemplo. Eles ficam submetidos à perversidade até entenderem o que está acontecendo.

Por isso, é importante conscientizar crianças e adolescentes sobre abuso sexual. Se estiverem informados, quando tocados com desconforto, vão saber que algo está errado e conseguirão contar mais rápido. É uma autoproteção.

O Instituto Paulista de Magistrados (Ipam) tem uma ótima iniciativa nesse sentido. Por meio do projeto Eu tenho voz, usa peças de teatro, encenadas em escolas de ensino fundamental de São Paulo e Curitiba, para alertar sobre o assunto e estimular denúncias, além de capacitar professores. O trabalho existe desde 2016. Agora, com a pandemia, passará a ser remoto, com o nome de Eu tenho voz na rede. As apresentações foram gravadas e passarão a ser exibidas em vídeo.

É uma medida importante no enfrentamento da atrocidade. E todos nós temos de tomar parte nessa luta. Quem souber ou tiver suspeita de violência contra crianças e adolescentes pode denunciar em delegacias e Conselhos Tutelares, assim como pelo Disque 100, app Direitos Humanos ou no site da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ouvidoria.mdh.gov.br/), que funciona 24 horas, inclusive em feriados e fins de semana.