No afã de dar uma resposta rápida ao Supremo Tribunal Federal, que enviou para a cadeia o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), em 16 de fevereiro, a Câmara dos Deputados atropelou ritos constitucionais e regimentais, para tentar aprovar a proposta de emenda constitucional, batizada de PEC da imunidade. O texto blinda os parlamentares da prisão, exceto quando flagrados em crimes inafiançáveis previstos na Constituição, e sublima o corporativismo. Em live, veiculada nas redes sociais, Silveira atacou ministros da corte, com ameaças e expressões chulas, fez apologia da reedição do AI-5, ato institucional mais cruel da ditadura militar, e defendeu o fim do estado democrático de direito, além de instigar conflito entre Judiciário e Forças Armadas.
O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros, admitiu que a PEC era uma reação à decisão do Supremo de determinar a prisão do aliado do Planalto. Se aprovada, a proposta limitará o alcance da Justiça às infrações penais inafiançáveis estabelecidas pela Constituição Federal. Por enquanto, a iniciativa não prosperou. O presidente da Câmara, Arthur Lira, se viu obrigado, por críticas de deputados, senadores e repercussão no meio jurídico e na opinião pública, a suspender a votação, a toque de caixa, da emenda, rotulada por deputados como “PEC da Impunidade”, que blinda parlamentares de ações judiciais, por crimes descritos pelo Código Penal e em outros marcos legais. Uma regalia descabida e repulsiva, seja pelo motivo, seja pelo momento caótico vivenciado pelo país, em decorrência do agravamento da crise sanitária, causada pelo novo coronavírus.
Os parlamentares formam uma casta privilegiada da sociedade brasileira, a começar pelos rendimentos mensais e benefícios incompatíveis com a realidade socioeconômica da maioria dos brasileiros. O Brasil tem o segundo congresso mais caro do planeta, com gastos anuais de R$ 10,4 bilhões, atrás apenas dos Estados Unidos, a maior potência econômica do mundo. Na reforma administrativa, apenas o Executivo deverá ter gastos reduzidos. Judiciário e Legislativo serão poupados.
Inquestionável a dissonância entre o Congresso Nacional e os anseios da população. Em dezembro de 2019 — uma das últimas pesquisas do Datafolha sobre o desempenho do parlamento — 45% da população reprovava a atuação de deputados e senadores, sinalizando que a renovação ocorrida nas eleições de 2018 frustrou os eleitores. Em meio à pandemia, que eclodiu no início do ano passado, o trabalho do Legislativo seguiu insatisfatório para grande parte dos brasileiros, exceto quanto à aprovação de um conjunto de medidas que viabilizaram a criação do auxílio emergencial. O dinheiro beneficiou cerca de 60 milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade e fortemente afetados pela disseminação do coronavírus.
Impõem-se aos parlamentares, como representantes da sociedade, ações voltadas aos interesses coletivos, sobretudo diante da dramática situação vivenciada pelo país, açoitado pela tragédia sanitária, sem que haja imunizantes para conter a alta mortalidade pela covid-19. Impõe-se, igualmente, a aprovação de projetos que retirem do limbo os quase 14 milhões de desempregados, os milhões de indigentes sociais, entre outras iniciativas necessárias para o país superar a adversidade do momento e voltar a ter crescimento econômico.
É inadequada a discussão e aprovação de medidas protetivas aos que desonram as prerrogativas parlamentares, seja por cometimento de crimes, seja por total desconexão com os princípios da harmonia entre os poderes republicanos, os preceitos constitucionais e a democracia.
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