OPINIÃO

O vergonhoso quadro da aprendizagem escolar

MOZART NEVES RAMOS — Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP — Ribeirão Preto

Correio Braziliense
postado em 04/03/2021 06:00
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)

Por MOZART NEVES RAMOS — Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP — Ribeirão Preto

Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2019 mostraram, quando de sua divulgação meses atrás, um certo alento para o ensino médio. De alguma forma, o desempenho melhorou em todos os estados. O Ideb é uma medida que envolve a multiplicação de dois indicadores: a nota média obtida pelos alunos em língua portuguesa e matemática no exame do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) — a chamada nota padronizada (NP) — e a taxa de aprovação. Todavia, quando olhamos para o percentual de alunos com aprendizado adequado, que corresponde à faixa dos que obtiveram um desempenho acima de um determinado número de pontos no Saeb, a coisa muda de figura.

Isso ficou evidente com os resultados deste indicador divulgados na última semana. Por exemplo, eles nos mostram que 95% dos alunos da rede pública terminam a escola sem conhecimento adequado em matemática. Em língua portuguesa, os resultados são um pouco melhores: 69% não aprenderam o que seria esperado ao final do terceiro ano do ensino médio. Isso está muito longe do que o país precisa para ter jovens bem preparados para o exercício da cidadania e qualificados para o mundo do trabalho, como prevê o artigo 205 da Constituição Brasileira.

Mas esse desastre educacional não começa no ensino médio; vem das etapas anteriores, especialmente dos anos finais do ensino fundamental. Por exemplo, os resultados para o nono ano, o último do ensino fundamental, 82% dos alunos não aprenderam o que seria esperado em matemática. Em língua portuguesa esse índice é de 64%. O que dizer?

A preocupação se acentua porque esses percentuais desastrosos se referem ao período no qual as escolas estavam em pleno funcionamento, ou seja, antes da pandemia. Imaginem o que podemos esperar após o fechamento das escolas! Como é do conhecimento de todos, apesar dos esforços das secretarias de Educação, muitos alunos ficaram sem acesso às aulas remotas por falta de conectividade e de condições tecnológicas adequadas, em termos de internet e banda larga.

Vamos precisar, mais do que nunca, investir em educação. Mas, por ironia do destino, nessa mesma semana em que esses resultados foram divulgados, surge uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), a PEC do auxílio emergencial, acabando com o piso de gastos na Educação (e também na Saúde). Hoje, os estados e municípios são obrigados a investir 25% da sua receita em educação. O efeito dessa proposta seria catastrófico para essa área. O impacto imediato já se verificaria no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) — que foi recentemente repactuado, trazendo novas perspectivas para a melhora da qualidade da educação, e cuja implementação seria inviabilizada em 2021, como prevê a legislação.

De acordo com outro estudo divulgado também na semana que passou, ficou claro que países bem posicionados no exame do Pisa fecharam as escolas por menos dias. Como cita a jornalista Renata Cafardo em sua coluna no Estadão de 25/2/2021, países como Alemanha, Reino Unido, Dinamarca, Cingapura e França ficaram menos de 90 dias sem aulas presenciais. O Brasil, por sua vez, teve, entre março de 2020 e janeiro de 2021, 267 dias de escolas fechadas.

A boa notícia da semana que passou ficou por conta de um estudo apresentado pelo economista Ricardo Paes de Barros, encomendado pela Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto, que trouxe à baila os fatores associados às aprendizagens escolares em cidades de médio porte. Nesse estudo, PB, como é carinhosamente conhecido pela comunidade acadêmica, mostra por que algumas dessas cidades avançaram mais do que outras. Ele cita como fatores relevantes, entre outros, a importância do foco pedagógico na gestão escolar e da colaboração pedagógica entre professores, e a existência de um conselho de classe ativo. Esse estudo vai contribuir sobremaneira para mudar o vergonhoso quadro da aprendizagem escolar em nosso país. Ao menos uma luz no fim do túnel.

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