CIÊNCIA

A revolução científica que a segurança pública precisa

Marcos Camargo*
postado em 09/03/2021 21:41 / atualizado em 10/03/2021 16:59

Foi necessária uma pandemia para que o Brasil desse algum valor à ciência. Ainda assim, é preciso evoluir muito. A segurança pública é um dos setores que bem exemplifica essa situação: há décadas, as autoridades ignoram a participação capacitada e influente da comunidade científica, por meio da criminalística, nas políticas de combate e prevenção ao crime.

O fortalecimento e o pleno desenvolvimento das ciências forenses ainda sofrem com inúmeros obstáculos, entre eles, a ausência de padronização nacional de procedimentos, escassez de recursos humanos e financeiros e a sustentação inconstante da autonomia técnica, científica e funcional da perícia oficial de natureza criminal. São princípios básicos, em busca de uma virtuosa visão de Estado, sustentada na ciência.

Neste 10 de março, aniversário da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), cabe discutir soluções. Assim, a criação de uma Secretaria Nacional de Ciências Forenses, destinada a coordenar, sistematizar e aperfeiçoar as atividades que envolvem a criminalística no país, além de incentivar boas práticas no trato de vestígios criminais, surgiria como importante resposta às problemáticas apontadas. O envolvimento integrado da criminalística nacional, comunidade científica e indústrias de tecnologia de ponta poderia sustentar uma administração certeira e com foco na missão de definir soluções efetivas para desmontar a cultura do “crime compensador”.

A iniciativa permitiria começar verdadeira revolução científica na segurança pública. A criação do órgão implicaria priorizar uma ação estruturada e pautada pela ciência, dados seguros, bancos de informação compartilhados e respeitabilidade acadêmica como forma primordial de elucidação de delitos. Representaria legítimo marco na evolução do sistema criminal brasileiro ao promover coordenação ampla dos esforços em torno do desenvolvimento das atividades periciais, desde a preservação do local e coleta de vestígios à análise das evidências.

Recomendação semelhante ocorreu nos Estados Unidos, feita pela National Academy of Sciences (NAS), que conduziu amplo estudo sobre as ciências forenses americanas. Em condições semelhantes ao Brasil, a perícia oficial nos EUA passava por uma série de desafios que colocavam em xeque o desenvolvimento dos trabalhos. Após anos de pesquisas, concluiu-se que a primeira necessidade seria a criação de entidade federal de coordenação, cujo objetivo primário seria a promoção do desenvolvimento das ciências forenses enquanto prática multidisciplinar e campo de pesquisa maduro, buscando, sobretudo, o aprimoramento de técnicas periciais.

Por mais desafiadora que seja a implementação da proposta no Brasil, sua consecução promoveria avanços significativos para a justiça criminal, como a maior padronização de procedimentos e de protocolos nacionais de cadeia de custódia e análise de vestígios, o aprimoramento e o fomento das ciências forenses enquanto campo de estudo, o incentivo a novas tecnologias e a priorização da prova pericial, agindo em conjunto com os órgãos dos Três Poderes em todos os níveis.

Tais medidas resultariam em impactos relevantes na precisão das investigações, contribuindo para elevar a taxa de elucidação de crimes no país e reduzir injustiças. Esse projeto, que toma como orientação o estado da arte da ciência, parte do anseio de construção de um sistema criminal mais produtivo e justo, que combata a impunidade e eventuais desvios na aplicação da justiça, refletindo, ainda, em medidas preventivas à criminalidade.

A experiência da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos é prova definitiva do sucesso que um esforço nacional de coordenação e sistematização de atividades periciais pode ter. Atualmente, a rede integra vinte laboratórios estaduais, um laboratório distrital e a Polícia Federal ensejando outras tentativas de reprodução na área. É o caso do Banco Nacional de Perfis Balísticos, em fase de implementação, e de outros bancos de dados, como o de perfis auríferos e crimes financeiros. Uma secretaria nacional nessa área de atuação é a chave para potencialização e integração de tais projetos entre União, Estados e o Distrito Federal.

Por se sustentar em princípios de efetividade, rigor metodológico e análise por pares, os impactos econômicos positivos para as contas públicas também seriam notórios, afinal, é inconteste a qualidade de projetos e programas de pesquisa coordenados por especialistas em suas próprias áreas de conhecimento.

É justamente por meio dessas medidas inovadoras que será possível oferecer soluções profundas e sistêmicas para as dificuldades enfrentadas pelo Brasil na segurança pública, permitindo o compartilhamento entre laboratórios e recursos humanos por intermédio de protocolos de ações conjuntas e recíprocas, gerando cada vez mais eficiência e efetividade no combate ao crime.

* Presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)

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