O que um país de apenas 11 milhões de pessoas tem a ensinar ao Brasil no momento em que o Congresso irá debater a PEC 188/2019, denominada PEC do Pacto Federativo?
Há quase 50 anos, em 1975, foi aprovado no parlamento belga uma lei que permitiu a fusão de municípios. Nos anos seguintes, entre 1975 e 1983, a Bélgica reduziu o número de municípios de 2.663 para 589, ou seja, cada 4,5 municípios se juntaram em um município.
Como se pode esperar, um movimento de tamanha envergadura não ocorreu sem muito debate e oposição. Para o primeiro-ministro à época, certamente, teria sido muito mais fácil deixar tudo como estava. Em não trazendo tema tão espinhoso ao parlamento, o primeiro-ministro Leo Tindemans evitaria a sempre difícil discussão de corte de custos e polêmicas entre as duas partes da Bélgica: Flamenga (que fala holandês) e a Valônia (que fala francês), que têm visões diferentes sobre o tema.
Passado muito tempo desde a fusão dos municípios belgas, o assunto ainda é debatido no país. As vantagens de diminuição da estrutura administrativa são inquestionáveis: redução de custo e profissionalização do funcionalismo e prefeitos para as complexidades demandadas do mundo moderno. Em contraponto, até hoje é questionado se a concentração de municípios não afastou o político do contato mais próximo com a população.
O balanço é positivo, pois, mais recentemente, a parte flamenga do país voltou a discutir o tema e, pouco antes da pandemia, mais oito municípios deixaram de existir de forma independente.
A Constituição Brasileira, no seu artigo 29, determina que os municípios terão no mínimo nove e o máximo de 55 vereadores dependendo do tamanho da população — note-se que não há qualquer vínculo à situação financeira do município, apenas ao tamanho da população. Há, no entanto, vínculo de teto da remuneração dos vereadores, indexando-a à remuneração de deputado estadual.
Sem o vínculo entre receita e tamanho da administração, chegamos a uma situação calamitosa. Dos 5.570 municípios brasileiros, há 1.254 deles, ou seja, um em cada cinco, que têm população com menos de 5 mil habitantes e que não alcançam com sua arrecadação própria sequer 10% da receita que necessitam. Se o principal papel do legislativo municipal é aprovar e monitorar o orçamento, cabe a pergunta: como existe uma Câmara Municipal quando não há receita para sequer cobrir 10% do orçamento?
As distorções brasileiras não acabam por aí. Os problemas existem para as cidades pequenas e, também, para as metrópoles brasileiras. A grande São Paulo é composta de 39 municípios e, consequentemente, cada município possui sua câmara de vereadores, o que resulta em nada menos de 2 mil vereadores! Proporcionalizando pela população de, aproximadamente, 21,5 milhões de habitantes, chega-se a um índice de 93 legisladores para cada milhão de habitante. A título de comparação, o Poder Legislativo Federal possui 594 congressistas (513 deputados e 81 senadores) para representar os 211 milhões de brasileiros. O índice federal é de 2,8 legisladores para cada milhão de habitante. Em conclusão, o índice da Grande São Paulo é 33 vezes maior que o índice federal.
A imprensa, quase que diariamente, apresenta exemplos de excessos dos legislativos municipais. Comprovando que mais legislativo municipal não implica em melhores práticas administrativas.
Nossos congressistas têm, portanto, a oportunidade de corrigir boa parte dessa distorção brasileira aprovando a PEC 188/2019. Assim como aconteceu há quase 50 anos na Bélgica, nossos congressistas vão precisar de inspiração, coragem e firmeza para tomar medidas não necessariamente populares.
Quando visitamos a Bélgica, vemos as ruas limpas, rodovias duplicadas e iluminadas, sistema de trem cobrindo eficientemente todo o país. O que não está à vista do turista é o trabalho conjunto dos políticos e do povo, frequentemente tomando medidas duras e impopulares, na busca de como dirigir os recursos públicos em prol da população.
Pedro Henrique AP de Oliveira é engenheiro civil, empresário e conselheiro honorário do embaixador da Bélgica no Brasil para assuntos econômicos
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