Por Rodrigo Spada — Agente fiscal de Rendas do Estado de São Paulo e presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite)
Michel Gradvohl — Auditor fiscal do Estado do Ceará
Os benefícios fiscais são os mais opacos e menos fiscalizados dentre os gastos públicos. Contudo, a PEC Emergencial, promulgada no último dia 15, traz importantes inovações quanto a esses gastos, que sequer transitam pelas leis orçamentárias.
A PEC estabelece em seu artigo 4º que, em até 6 meses após a promulgação da Emenda, o presidente da República deverá encaminhar ao Congresso Nacional um plano de redução gradual de benefícios federais de natureza tributária, acompanhado das proposições legislativas e estimativas dos impactos orçamentários e financeiros.
O parágrafo 1º do mesmo dispositivo determina que tais proposições legislativas devem propiciar, em conjunto, redução de benefícios tributários federais de, pelo menos, 10% no exercício em que forem encaminhadas e a redução do seu montante total para até 2% do produto interno bruto (PIB), no prazo de até 8 anos.
Essa redução prevista na PEC é muito significativa. Na Lei Orçamentária de 2021, o gasto tributário da União está estimado em R$ 307,9 bilhões, ou 4,25% do PIB, valor semelhante ao investido em educação e saúde no país. Isso significa que, só no primeiro ano de vigência do plano, a redução será de R$ 30 bilhões e de até R$ 163 bilhões ao longo de oito anos.
Um dos problemas a serem enfrentados é a definição de quais benefícios serão reduzidos. A própria Emenda Constitucional, no parágrafo 2º de seu artigo 4º, já veda a redução a diversas modalidades, como o Simples Nacional, imunidades tributárias às entidades sem fins lucrativos, Fundos Constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, Zona Franca de Manaus, áreas de livre comércio e zonas francas, o Prouni (financiamento estudantil) e as relacionadas aos produtos da cesta básica.
Quais critérios foram utilizados pelo Constituinte Reformador para decidir proteger esses gastos tributários? Quais estudos foram elaborados? Que aspectos foram considerados, ou foi uma mera decisão política?
Sem qualquer pré-julgamento, é notório, por exemplo, que o benefício do Simples Nacional é deferido a faturamentos de empresas 10 vezes maiores que os programas similares implantados por países membros da OCDE. Essa circunstância foi considerada? Deveria o Simples manter-se nos moldes atuais?
A concessão dos benefícios tributários é extremamente importante. Eles estão presentes em praticamente todos os tributos. Nos estados, em 2019, as renúncias fiscais, apenas com ICMS, somaram R$ 97 bilhões, ou 21,75% do total de ICMS arrecadado, sendo que o Amazonas atingiu 70%. São instrumentos de desenvolvimento econômico e social, sem dúvida, mas, sem transparência e ferramentas de controle e avaliação, os benefícios podem não atender os objetivos que justificaram sua concessão, ou até resultar em distorções como concentração de renda, mais desigualdade e concorrência desleal.
No limite, há a possibilidade de o gasto tributário diminuir a arrecadação tributária a ponto de inviabilizar a saúde fiscal do ente que o concede, como se deu no Estado do Rio de Janeiro que entrou em calamidade financeira em 2016 e, até hoje, não conseguiu recuperar o equilíbrio fiscal desejado.
Quase nunca a renúncia tributária é concedida com objetivos e metas claras e bons indicadores de avaliação, o que inviabiliza a aferição do interesse público pretendido. A transparência na concessão dos benefícios proporcionaria controle social, inclusive sobre a razoabilidade dos parâmetros de motivação utilizados no deferimento das benesses.
Os benefícios tributários costumam não ser tratados da forma técnica como deveriam, a determinação trazida pela nova Emenda é uma oportunidade de mudar essa situação, e a administração pública tem a chance de definir quais benefícios serão extintos, ou reduzidos, baseada em fundamentos transparentes e resultados claros.
O princípio da eficiência, ao qual está vinculada constitucionalmente a atividade da Administração Pública, há de ser considerado no futuro plano federal de redução de benefícios fiscais. As escolhas devem recair sobre benefícios que melhor atendam ao interesse público, que não tratem apenas de reduzi-los, mas de aprimorar esse indispensável instrumento de política pública, vindo a ser parâmetro para sua aplicação em todos os demais entes federados.
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