OPINIÃO

Artigo: Obrigado, Miltinho!

Marcos Paulo Lima
postado em 27/03/2021 06:00 / atualizado em 27/03/2021 15:35
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Costumo bater uma bola sobre esporte neste espaço. Hoje, faço um minuto de silêncio. O Brasil tem mais de 300 mil mortes causadas pela pandemia do novo coronavírus. Uma delas é um amigo, um irmão. A música cristã do Distrito Federal perdeu, na quinta-feira, o maestro Milton Roberto de Carvalho Júnior. Foi sepultado ontem, no Campo da Esperança.

Miltinho tinha 56 anos. A covid-19 tirou o fôlego de um grande trompetista da cidade. O carioca radicado em Brasília era conhecido nas igrejas cristãs da capital — como a Catedral das Assembleias de Deus, na 910 Sul, popular Baleia —, pela criatividade e versatilidade para elaborar cantatas de Natal e Páscoa. Tocava na Orquestra Cristã de Brasília (OCBrass), regida pelo maestro Joel Barbosa, professor da Escola de Música de Brasília.

Líder, Miltinho tinha empatia para colocar orquestra e coral sob sua batuta. Participei de vários projetos dele em Brasília. Minha esposa, nem se fala. Bete, chamada carinhosamente pelo primo de Tuca, fez até personagem de anjo em musicais bolados por Miltinho. Eu adorava participar, também, porque ficava perto da minha namorada (risos).

Sou jornalista, mas amo música. Parece não, mas poso de cantor nas horas vagas. Fiz parte do náipe de tenor nos corais do Miltinho. Quem não lê partitura, como eu, aprende de ouvido. Eis uma virtude do maestro: a paciência de Jó para sussurrar diferentes harmonias ao pé do ouvido de sopranos, contraltos, tenores, barítonos e baixos. No fim, ficava lindo de ver e ouvir graças, óbvio, à determinação do Miltinho. Nosso grupo musical tinha até becas. O uniforme lembrava a daqueles corais dos Estados Unidos, sabe. A cara do Miltinho!

O ouvido dele era atento aos mínimos detalhes. Certa vez, eu era o líder de louvor da nossa igreja, no Cruzeiro Velho. Eu interpretava errado o trecho de uma canção chamada Flua, gravada pelo grupo Koinoya (Comunhão). Aquilo incomodava o ouvido do Miltinho. Ele veio até mim e me corrigiu carinhosamente. Nunca mais cantamos errado aquele lindo cântico.

Miltinho deixou legado na minha vida e na de outros tantos jovens músicos e cantores: o amor pela música. Cada vez que ele baixava a batuta, aprendíamos sobre amizade, unidade, respeito, tolerância... Miltinho era democrático. Havia desafinados. Porém, assim como João Gilberto, ele entendia que “no peito dos desafinados também bate um coração”.

O Brasil nunca precisou tanto da unidade daqueles musicais do Miltinho. Nós já desafinamos demais como país na luta contra o vírus invisível. Passou demais da hora de cantarmos uníssono, cada um cumprindo seu papel na guerra. A covid-19 calou nosso trompetista, o maestro, mas aguardamos pelo dia em que poderemos cantar aquele hino de vitória que foi marca dele — Glory, Glory, Hallelujah — celebrando o fim da pandemia. Obrigado, Miltinho!

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