Estamos vivendo naquele lapso de tempo em que pequenas coisas bonitas viram grandes coisas bonitas. A desimportância de outrora ganhou status de grande relevância. Se eu fosse de chorar, choraria quando vi a foto da Rita Lee tomando vacina ou Maria Bethânia falando e cantando numa live histórica, política e comovente. Falar verdades, cantar seu canto, caminhar ao vento, levantar todo dia de manhã com saúde, vacinar-se... O simples assim, a vida cotidiana, o abraço dos filhos, o querer bem aos amigos, a pausa para o café, o cozinhar... São as pequenas atitudes que hoje emprestam algum sentido à nossa existência. Do buraco negro, aflora aquilo que adubamos diariamente. E é isso que nos dá força para enfrentar a bestialidade.
Obviamente, entre todas essas coisas que pareciam tão triviais, impõe-se uma, que é soberana agora: a vacinação. O que já foi apenas o cumprimento de um protocolo de saúde contra velhas doenças conhecidas tornou-se uma meta de vida. Cada foto de uma pessoa oferecendo o braço ao pequeno e poderoso antídoto tornou-se um símbolo. Algo como uma tatuagem que informa: “Não vou morrer”. A vacina é a única garantia de vida e de vitória contra o coronavírus. Todo o resto é loteria.
Por essa razão e também pela morosidade do Brasil em conseguir vacinas em número suficiente para evitar que hoje estivéssemos com mais de 305 mil pessoas mortas, estamos todos ansiosos pelas nossas doses. Felizes com a notícia de uma vacina brasileira. Com cada amigo, pai, mãe, irmão, irmã que chega no início da fila...
Imersos na maior crise sanitária de todos os tempos, entorpecidos pelo isolamento, pelo confinamento, pela falta de perspectiva de controle da pandemia, divididos entre grupos que respeitam e grupos que negam, caminhamos pelo novo e contraditório normal. O novo já velho normal nos pede que o tempo pare e siga depressa. Pare de matar e corra com a vacina. O desejo eterno e doentio da sociedade pela juventude dá lugar àquela pontinha de inveja do idoso que já se vacinou.
Quando chegará minha vez? Quem sou eu na fila do pão? Sim, a gente se pergunta. E a resposta não chega mais rápido do que a notícia diária de milhares de mortes, do que as imagens aterrorizantes de pessoas morrendo em postos de saúde, com falta de UTI, de oxigênio, de socorro. Não existe nada, nada mais triste do que ser impotente diante do sofrimento de quem a gente ama. E também não há nada mais revoltante do que fura-fila de vacina. E, incrivelmente, os penetras fazem parte da ridícula elite brasileira.
O que tínhamos de sobra, a alegria e a esperança do povo brasileiro, agora nos falta. É verdade: a vida está nos ensinando da forma mais dura, e é preciso crescer na adversidade. Em algum momento, vamos recolher a dor e dar vazão ao nosso grito por liberdade. Até lá, use máscara, pratique o distanciamento social como decisão política e aguente o tranco. Bethânia canta lindamente a letra linda de Chico César: “Se a voz da noite responder/onde estou eu/onde está você/estamos cá dentro de nós...”. Não se perca de você. A vacina vai chegar.
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