Para um grande número de pessoas deve ser realmente difícil conviver com um valor chamado democracia. Vem lá do grego e quer dizer poder que emana do povo, ou seja, do voto. Muito além da etimologia, essa palavra de chapéu largo abarca outras tão importantes quanto: respeito, liberdade, direitos e garantias individuais, convivência com as diferenças.
As excelências eleitas não precisariam ir muito longe para aceitar que vivemos num país democrático (ainda que, na prática, estejamos eternamente em construção). Basta saber que foi o povo quem lhes deu o direito de representá-lo. Ocorre que é indigesta para alguns políticos a ideia de democracia. Difícil conviver com a liberdade de expressão e todo o resto; críticas e cobranças; respeito às leis; a independência dos poderes.
O imaginário de golpistas constrói, então, um castelinho protegido por um forte apache tosco, com arminhas e canhões apontados para o primeiro internauta, jornalista, influencer com poder de fogo no Twitter. Dispostos a tudo para mudar o regime, arrumam a batalha toda na cabeça, mas na hora H... O plano pode não dar certo.
As Forças Armadas brasileiras não são o forte apache do playground de nenhuma turma golpista. A maioria fardada convive com o fantasma da ditadura sem ter feito parte dela diretamente, sem ter defendido tortura, com o respeito à Constituição e não compactua com retrocessos. Sabe o tamanho do desgaste pessoal que enfrentou, mesmo de longe. Sim, devemos ainda um acerto de contas importante com nosso passado. Contar uma história verdadeira sobre a ditadura é essencial para entendermos o que significou e por que jamais pode voltar.
Muitos militares estão assentados no governo Bolsonaro, isso é fato. Em cargos importantes e estratégicos. O presidente esperava alguma lealdade e cumplicidade com seus propósitos extremistas. Acabou detonando uma crise inédita na história recente da República: o afastamento simultâneo de três comandantes militares ao mesmo tempo, além de um ministro da Defesa. Fogo no parquinho.
O Correio, exercendo o seu papel de bem informar, publicou duas entrevistas na semana passada que ativaram o alarme na trincheira golpista: a mais polêmica, do general Paulo Sérgio, mostrando com transparência a realidade em relação à covid-19, provocou grande mal-estar no Planalto. O então ministro da Defesa falando que a vacina é prioridade e a política deve ficar longe dos quartéis também causou tremor nas bases. Ambas refletem a verdade doa a quem doer.
O pelotão palaciano que gosta de atentar contra a democracia, com frases sobre o AI-5, julgou mal as Forças Armadas. Ainda que encontre apoio em algum momento nos quartéis, o destempero em relação ao comando do país também grita forte, mais ainda quando se trata dos sucessivos desacertos em relação ao combate à covid-19. O desleixo no enfrentamento à pandemia incomodou. Muito. A ponto de ser maior que todo o resto.
Os militares podem engolir o espírito de autoritário aventureiro de Bolsonaro, mas colocar no jogo a defesa da vida e a democracia enraizada é encarar uma guerra perdida. Jogar as conquistas de anos pela janela seria insensatez maior do que apoiá-lo em 2018. Ali era risco calculado. Agora, ato kamicaze. Não há disposição para tanto. Querer tratar o alto comando como chefetes de milícias foi um erro brutal. Venceu a tese do bom-senso, sustentada pelo princípio de que a política não deve entrar nos quartéis. Que siga assim, o Brasil agradece.
Passaremos uma Páscoa triste, ainda contando muitos mortos e consolando tantas pessoas enlutadas. Mas, ao menos, renascidos para a nossa democracia.Tardia, suada, mas não tão frágil quanto pode parecer aos desavisados. Me despeço com Winston Churchill: “A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”. Um bom renascimento para todos nós.
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