Por Ademar Kyotoshi Shojo Sato — Monge regente do Templo Shin-Budista de Brasília. Formado em economia e em direito pela USP
No mês de março, completamos 10 anos da tragédia de Fukushima, que mexeu com o mundo. E agora o coronavírus. Coronavírus é um fenômeno inusitado como pandemia, vem atingindo simultaneamente o mundo todo e não sabemos quando acaba, mesmo com a vacinação em massa, medidas sociais sanitárias e de higiene pessoal, o caminho comprovado pela ciência e pelo bom senso. Isto porque a covid-19 é mutante que está a fim de sobreviver como um ser teimoso, ou seja, a humanidade ainda não completou a lição da tristeza, do medo e da apreensão que ele nos está incumbindo.
Além das notícias internacionais sobre a pandemia, acompanho especialmente a sua evolução no Brasil, onde nasci, trabalho e vivo com meus filhos, netos e amigos e no Japão, em virtude dos laços ancestrais e de afetividade com parentes e amigos. E também porque aquele país tem sido uma referência mundial no trato com a saúde individual e social nos últimos tempos.
Não sou especialista na área científica, médica nem sanitária e não tenho muita familiaridade com números, embora seja economista. As seguintes informações recolhi na indefectível Wikipédia do último dia 28 de março: no mundo todo, houve 127 milhões de infectados, desse total, 71,8 milhões foram recuperados (56,5%) e morreram 2,78 milhões de pessoas (2,1%); no Japão, total de 467 mil infectados, 439 mil recuperados (94%) e 9 mil mortos (1,9%); no Brasil, 12,5 milhões de infectados, 10,9 milhões de recuperados (87%) e 311 mil mortos (2,5%).
Esses números comparativos não são tão díspares. Ocorre que o Japão, como outros países do primeiro mundo estão preocupados com a segunda onda do coronavírus na transição do mês de fevereiro para março, carregada pela segunda variante da covid-19. Assisto ao sumô regularmente pelo canal estatal japonês NHK, ouço notícias e observo a feição das pessoas e autoridades, invariavelmente de máscara, o que não ocorria antes.
Há duas semanas, ouvi o pronunciamento do primeiro-ministro, Yoshihide Suga, propondo unir esforços dos governos municipais e estaduais como imprescindível para o bem comum no controle da pandemia. Ele é o líder do Partido Liberal Democrata, que tem ocupado sucessivamente o poder no Japão desde a sua fundação, em 1955, atualmente com 55% de representantes no Congresso Nacional, que tem 710 deputados e senadores.
Alguns dias antes, Yukio Edano, dissidente progressista desse partido e que fundara o Partido Constitucional Democrata, em 2017, dissolvido em 2020 por falta de adesões, se pronuncia por ocasião dos 10 anos da tragédia de Fukushima, propondo a extinção de todas as usinas nucleares que restam no Japão e o reforço do Estado, especialmente na previdência social dirigida para idosos e jovens. Mas ele fala agora em nome do novo Partido Democrata Constitucional, que foi refundado com o advento da pandemia e que rapidamente passa a ser o segundo partido vigente com 152 cadeiras — 21% — no Congresso Nacional. Suplanta o Komeito, o partido fundado em 1998 por Daisuke Ikeda, de inspiração budista, com 57 cadeiras, deixando para trás a chamada esquerda — Partido Comunista Japonês, que existe desde 1922, e o Partido Social Democrata, herdeiro do Partido Socialista Japonês, fundado em 1945 e dissolvido em 1998 — que somam apenas 27 cadeiras.
É notável essa evolução da democracia no Japão sob a influência da pandemia como continuidade da tragédia de Fukushima: papel vigilante do Estado sobre o mercado, reforço da previdência social, a involução da esquerda tradicional e também o enfraquecimento da direita conservadora. É o núcleo ideológico do centro e eticamente correto exercendo o seu papel angular na democracia.
Só quero ressaltar que a configuração sóciopolítica do Japão é muito especial, pois a figura do Imperador foi preservada como símbolo cívico da recuperação democrática após a derrota do Eixo, formado pelo fascismo, pelo nazismo e pelo militarismo imperialista na II Grande Guerra.
Em mensagem especial de ano-novo, o Imperador Naruhito e a Imperatriz Masako se dirigiram a todos os japoneses de forma muito delicada, respeitosa e carinhosa, prestando homenagem aos falecidos na pandemia, solidariedade aos seus familiares, agradecendo a dedicação de toda equipe médica e paramédica e reiterando os cuidados higiênicos e sanitários para toda população.
Confesso que senti vergonha de ser brasileiro, mas também esperançoso de que a nossa democracia evolua política e eticamente.
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