OPINIÃO

Artigo — Políticos ou artistas: quem estimula mais os brasileiros a se vacinarem?

Correio Braziliense
postado em 10/04/2021 06:00

Por WLADIMIR GRAMACHO — Professor-adjunto da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília e coordenador do Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública da instituição

MAX STABILE — Doutorando em ciência política na Universidade de Brasília e diretor do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados

Desde que voltou ao jogo eleitoral, o já vacinado ex-presidente Lula tem instado a população a também se imunizar contra a covid-19 e a seguir os protocolos recomendados pelos cientistas. O efeito mais evidente do posicionamento do petista foi o giro de 180 graus na retórica negacionista do presidente Jair Bolsonaro, que, agora, eventualmente, aparece utilizando máscaras e admitiu poder se vacinar. Entretanto, nada se sabe sobre o efeito das mensagens do petista sobre pessoas resistentes em se imunizarem. A esta altura, lideranças políticas ainda podem influenciar pessoas hesitantes a se vacinarem? Dificilmente, segundo estudos sobre a vacinação contra a covid-19.

Uma pesquisa realizada em maio de 2020 na Universidade da Carolina do Sul, nos Estados Unidos, mostrou que as predisposições estimuladas pela divisão das elites políticas sobre o que fazer (e o que não fazer) tornava nulo até o efeito de mensagens de especialistas acerca de recomendações como o distanciamento social. Ou seja, havia, àquela altura, um jogo jogado.

Outra pesquisa, realizada na Universidade de Utrecht (Holanda) e publicada em agosto de 2020, também apontou as preferências ideológicas como fonte de resistência a estímulos a favor da vacinação contra a covid-19. Nem amigos ou familiares, de um lado, nem agências especializadas em saúde pública, de outro, parecem ter capacidade persuasiva entre os holandeses, sobretudo os de direita, que resistem mais à imunização naquele país — como aqui.

Esse resultado parece consistente com o que vinha ocorrendo no Brasil desde o ano passado. De acordo com duas rodadas de pesquisa realizadas em outubro e dezembro de 2020 pelo Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública (CPS) da Universidade de Brasília, com dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD), o apoio ao governo federal está associado a uma menor intenção de vacinação.

O efeito das preferências políticas é forte também sobre a intenção de vacinação dos brasileiros com a CoronaVac, a vacina chinesa desenvolvida pela farmacêutica Sinovac e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan. Segundo artigo recém-publicado na revista Vaccine por Wladimir Gramacho (Universidade de Brasília) e Mathieu Turgeon (University of Western Ontario), a resistência dos brasileiros é maior em relação à CoronaVac do que à vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford/AstraZeneca, e essa resistência é especialmente acentuada entre apoiadores do governo Bolsonaro.

Em resumo, a capacidade de influência de lideranças políticas sobre o comportamento das pessoas no Brasil em relação à pandemia e à vacina provavelmente se deu, e novas manifestações públicas provavelmente apenas reforçarão atitudes ou opiniões adotadas pelos brasileiros, tanto à esquerda quanto ao centro ou à direita.

Celebridades talvez tenham mais capacidade persuasiva neste momento. Desde que não tenham militância política, famosos e famosas podem ajudar a furar o bloqueio provocado pelas predisposições ideológicas. Segundo um estudo realizado por pesquisadores das universidades de Nevada e do Arizona, nos Estados Unidos, a atriz Angelina Jolie pode ter mais credibilidade entre os americanos do que uma médica especialista para tratar da importância da prevenção ao câncer de mama. Esse efeito também foi observado em relação ao ator Ben Stiller, quando o tema é a prevenção ao câncer de próstata. Ambos os artistas enfrentaram as respectivas doenças.

Por aqui, depoimentos com bom potencial persuasivo seriam, por exemplo, os da atriz Marieta Severo, do ator Marco Ricca e do cantor sertanejo Cauan Máximo, que superaram a doença apesar de haverem enfrentado a severidade de seus sintomas.

No Brasil, uma pesquisa do IBPAD, em 2019, testou a influência de uma dezena de celebridades e especialistas e mostrou que alguns deles fazem a diferença. Ao investigar possíveis candidatos a porta-voz para uma campanha de enfrentamento do Aedes aegypti, o instituto concluiu que a apresentadora Ana Maria Braga tinha a maior influência sobre a intenção das pessoas em tomar medidas para combater o mosquito, que transmite dengue, zika e chicungunha. Mais especificamente, recomendações para tomar medidas contra o mosquito feitas por Ana Maria Braga tinham um efeito positivo de 15% sobre a intenção do grupo controle (que não recebeu qualquer mensagem) em tomar essas medidas, como evitar água parada em casa ou denunciar terrenos sujos e malcuidados às autoridades sanitárias locais.

No caso da covid-19, ainda não se sabe quem é mais persuasivo para campanhas de estímulo à vacinação entre brasileiros e brasileiras hesitantes. Entretanto, dado o nível de partidarização da pandemia, provavelmente políticos não são a melhor escolha. Mas só testes de diferentes porta-vozes — entre celebridades, especialistas ou mesmo pessoas comuns — poderão esclarecer quem tem maior capacidade de influência hoje sobre a intenção de se vacinar de parcelas distintas da população. Estudos como esse podem evitar equívocos ou decisões inócuas no desenho de uma campanha. Se errar na comunicação é sempre ruim, torna-se muito pior durante uma pandemia. Pode custar vidas.

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