OPINIÃO

Visto, lido e ouvido — Insegurança alimentar, fome e revolta

Correio Braziliense
postado em 16/04/2021 06:00

Desde 1960 Circe Cunha (interina) // circecunha.df@dabr.com.br

Depois de mais de um ano experimentando o que parece ser uma das maiores e mais universais pandemia que a humanidade conheceu, o mundo e, particularmente, o Brasil começam a sentir os efeitos que essa doença provocou também na economia, sobretudo, no aumento, sem precedentes, no número de pessoas assoladas pelo tenebroso espectro da fome.

Em nosso caso, a situação é de emergência, uma vez que a insegurança alimentar atinge hoje mais da metade dos lares país afora, tanto nos centros urbanos quanto em regiões mais carentes. A totalidade das pesquisas feitas sobre esse problema indica que o fenômeno da escassez de alimentos e mesmo a sua falta total são uma realidade para milhões de brasileiros.

Somados os 19 milhões que, neste momento, passam fome aos 116,8 milhões que sofrem a situação de insegurança alimentar, temos quase 136 milhões de cidadãos sem ter o que comer diariamente. Desde o início da pandemia, muitos economistas e outros pesquisadores das ciências sociais alertaram para essa possibilidade iminente e, como quase tudo que acontece neste país, nenhuma providência de fôlego foi tomada a tempo de evitar esse quadro.

A privação de alimentos pode ser considerada o mais degradante e cruel grau de sofrimento físico e psicológico a que um ser humano pode ser submetido. Essa situação, para um país que é considerado, no mundo bilionário das commodities e dos negócios de grãos e proteína, um celeiro do planeta, torna o Brasil uma das mais desiguais e contraditórias sociedades. Como pode um país, tido como uma potência do agrobusiness, ter um contingente de pessoas, maior do que muitas populações de outros países, passando fome?

Essa realidade bizarra reforça a ideia que muitos fazem do agrobusiness, um setor que não produz alimentos, mas, sim, lucros em larga escala para seus proprietários. Na verdade, dizem alguns entendidos, ruim com o agronegócio, pior sem ele, uma vez que esse é ainda considerado o grande indutor dos superavits na balança comercial do Brasil com o resto do mundo.

Pelo sim, pelo não, muitos especialistas apontam que é justamente no setor agrícola que estão as maiores e mais concretas possibilidades de combate à fome e à insegurança alimentar. Para tanto, afirmam os pesquisadores, será preciso, antes, instituir um amplo e consistente Plano Nacional de Alimentação, por meio de uma série de políticas públicas que diminuam os desequilíbrios entre a produção industrial de alimentos, ligados ao agrobusiness para a exportação, e o amparo às pequenas e médias cooperativas ligadas à agricultura familiar e comunitária, tanto no entorno das cidades quanto no campo.

O problema, além da falta crônica de planejamento e projetos, esbarra na falta de recursos e nos cortes sofridos em muitos programas, como o Programa Nacional de Alimentos (Pnae), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa de Cisternas, Bolsa Família e Renda Básica Emergencial. Mesmo o Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar (Pronaf) sofre, há anos, com a falta de incentivos e com cortes de orçamentos.

A pandemia, e isso não é segredo para ninguém, fez os preços dos alimentos nos supermercados e feiras dispararem, o que aumentou os índices de pobreza e, consequentemente, elevou o número de brasileiros que passam fome. Nas grandes cidades do país, esse efeito é bem visível e clama por providências antes que essa situação descambe para uma revolta popular, como muitas que aconteceram ao longo da história humana e que mostraram que a única razão que conduz o povo à revolta não são as ideologias, mas a fome.

 

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