OPINIÃO

Artigo — Stalking e cancelamento: pode existir alguma conexão entre ambos?

Correio Braziliense
postado em 19/04/2021 06:00

Por THAIS CARLONI — Advogada e sócia fundadora da Carloni Advocacia Empresarial. Formada em direito, especialização em direito empresarial pela FGV-SP e direito societário no Mackenzie

Passou a ser crime a prática de “stalking”, desde 1º de abril, após sanção do presidente da República, Jair Bolsonaro, que adicionou um artigo ao Código Penal brasileiro para a responsabilização deste crime. Define-se stalking como “perseguição reiterada, por qualquer meio, como a internet (cyberstalking), que ameaça à integridade física e psicológica de alguém, interferindo na liberdade e na privacidade da vítima”.

Vale destacar que o Brasil se posiciona dentre os cinco países do mundo, com mais casos de violência doméstica e familiar. Nesta pandemia, foram incontáveis exemplos tristes de feminicídio, violência contra o idoso, infantil, atos de violência moral, refletindo uma realidade aterrorizante e despertando diversos questionamentos no âmbito da privacidade dos indivíduos e da exposição de sua integridade.

No momento de tantas questões sociais, jurídicas, políticas com reflexos impactantes no setor econômico, o Brasil vive todos os dias momentos controversos, e nas redes sociais a perseguição ocorre indiscriminadamente, criando ambiente favorável para muitos riscos jurídicos decorrentes do isolamento ou daqueles que se sentem em estado de “confinamento”.

Foi este tipo jurídico incluído como artigo 147-A por meio de um complemento ao Decreto-Lei nº 2.848, de dezembro de 1940. O texto completo foi publicado no Diário Oficial da União (DOU). A aplicação de penalidades ou as consequências advindas do stalking podem ocorrer tanto por ações físicas quanto virtuais e, como mencionado, é decorrente de atos que envolvam “ameaças à integridade física ou psicológica, limitando a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando a esfera de liberdade ou privacidade do indivíduo”. Como contraponto, falar em crime de perseguição obsessiva pode remeter a controvertida exposição das pessoas nas redes sociais e ser até associado ao famoso “cancelamento”.

O cancelamento é uma forma de exposição de posicionamento nas redes sociais sobre temas sociais, políticos, ideológicos, posturas individuais, que acabam pela não aceitação do interlocutor, podendo provocar, crucificar e levar à expulsão ou ao cancelamento de determinadas pessoas das redes sociais, quando se expõem com opiniões controversas nas mídias sociais. Algumas manifestações são tão desmedidas que acabam por causar uma comoção social tão grande em virtude das opiniões ou controvérsias agressivas ou violentas, resultando em perseguições, a atos ou pregações de determinados indivíduos ou de seus comportamentos.

Óbvio que o crime tipificado de stalking é muito mais grave do que o mero cancelamento e não mais passível de enquadrá-lo somente como contravenção penal, como anteriormente estava conceituado “ato de perturbação da tranquilidade alheia”, punível com prisão de 15 dias a dois meses e multa. Dessa forma, a liberdade de expressão e os atos de violência não são compatíveis entre si, devem ser objeto de observação acirrada para assegurar a responsabilidade jurídica dos indivíduos em todos os seus atos e manifestações. A linha tênue de exacerbar ou ser cancelado por “motivos torpes ou inofensivos” pode ser interpretada como indícios da prática de stalking. Apesar de estar ligado ao universo da violência física ou moral, quando há uma manifestação na internet o cancelamento é uma forma de justiça social.

As palavras ou as ações no âmbito da segurança jurídica requerem uma percepção da realidade e da tolerância admitida por lei.

A coletividade está sob pressão e até repressão sem avaliar o grau de exposição a que está sujeita. Se compararmos estas novas práticas do universo digital, que impactam em comportamentos exacerbados de perseguições das mais diversas origens — inclusive, em temas de tolerância ao racismo, piadas preconceituosas direcionadas às mulheres, e o bullying on-line, todos exemplos de formas de perseguição.

Devemos reconhecer que a criminalização do stalking era mais do que necessária, os crimes devem ser penalizados e os perseguidores não podem ser inocentados. Tanto o stalking quanto o cancelamento são formas que devem ser atribuídas aos efeitos comportamentais da sociedade, regulamentar e estruturar ferramentas jurídicas quer seja no universo virtual para a proteção dos indivíduos são de extrema relevância para que vidas sejam salvas e se perpetue o direito fundamental constitucional de respeito a vida e a integridade privada.

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