Por JAQUELINE GOMES DE JESUS — Psicóloga, professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Lecionar na Baixada Fluminense evidenciou para mim o quanto ser brasiliense de nascimento me permite olhar de maneira crítica, talvez um tanto deslocada, jamais de forma alienada, a realidade no Brasil profundo que cerca a mais recente capital federal. O que é natural para os nativos soa estranho aos outsiders. Até a segregação tem os seus regionalismos. Ser professora na periferia do Rio de Janeiro, morando na Zona Sul, traz um elemento de sincronicidade, quando lembro que eu morava no Setor “O” de Ceilândia e me formei na Universidade de Brasília (UnB). Da periferia para o centro, do centro para a periferia.
Eu fui uma criança muito curiosa, sempre li muito. Costumava subir no telhado de casa para admirar a Barragem do Descoberto e me pôr no lugar da Eugênia Grandet, retratada por Honoré de Balzac: alguém que vivia no meio do mundo, ao mesmo tempo me sentindo distante dele. Sentimento incômodo para alguém como eu, conhecedora da epopeia da Capital da Esperança, na qual o meu avô candango teve um papel pequeno, mas relevante, junto com outros cidadãos simples, porém extraordinários.
Posso garantir, observando com distanciamento de quem rodou o mundo e neste momento assentou-se na Cidade Maravilhosa, que Brasília é um work in progress; ela segue em obras, especialmente quando se analisa o núcleo central de sua personalidade: a capitalidade. Não em termos políticos, mas no âmbito cultural. Longe de suplantar o Rio de Janeiro, precisamos cultivar a originalidade na capital da República.
Ao longo desses 61 anos, avançamos no campo das artes, com altos e baixos na valorização dos fazedores de cultura do Distrito Federal, e a qualidade da educação em Brasília, em todos os graus, é invejável, quando comparada a outras unidades da Federação, no entanto, há que se compreender melhor os demais brasileiros, para se poder lhes conquistar os corações e mentes.
“O Brasil não conhece o Brasil”, tampouco a própria capital, isso acaba reverberando negativamente fora do país. Certa feita, ao dividir camarote no Teatro Amazonas com um casal de alemães, comentei que era brasiliense. Eles me contaram, com seriedade, que brasileiros haviam dito que Brasília era a cidade da corrupção. Passei a recomendar, em tom de brincadeira, que antes de rotular Brasília a visitassem ao menos durante um fim de semana, para então poderem falar mal com algum conhecimento de causa.
Obviamente que Brasília não é Beijing, onde cada paralelepípedo pisado transpira milênios de histórias; igualmente não é Washington D.C., um teatro que representa a céu aberto o poderio global da nação; mas Brasília pulsa, verdadeiramente, com o espírito da invenção, semeado pelos pioneiros, fruto da mistura de sua genial modernidade com a espontaneidade própria do nosso povo tão criativo, que de vez em quando se revolta contra moralismos e desmandos dos poderosos de plantão.
Sempre amei a minha cidade natal. Mesmo longe, carrego você no coração, ciente de que és parte concreta de quem sou. Preocupo-me com seus rumos, entretanto persisto crendo nas suas extraordinárias potencialidades, sendo eu uma carioca nascida em Brasília, ou uma candanga vivendo no Rio.
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