Visão do Correio

Racismo na pandemia

Correio Braziliense
postado em 24/04/2021 19:57

Os cidadãos do mundo assistiram ao brutal assassinato do afro-americano George Floyd, em 25 de maio de 2020, em Minneapolis. “Não consigo respirar”, disse Floyd ao policial Derek Chauvin, que o estrangulava com o joelho no pescoço. Em menos de nove minutos, Floyd morreu, supostamente por pagar a compra no supermercado com uma nota falsificada de 20 dólares. Na realidade, ele foi executado por ser negro — mais um, entre milhões de peles escuras vítimas do racismo estrutural que infecta as sociedades e, principalmente, grande parcela dos corpos brancos.
A condenação do policial branco assassino não foi motivo de comemoração, mas de esperança de que é possível haver justiça. Sete meses depois de Floyd , em 19 de novembro, seguranças do Carrefour, em Porto Alegre, espancaram até morte João Alberto Silveira Freitas, homem negro. Assim, como ocorreu com Floyd, a cena foi gravada por um celular e ganhou as telas das tevês mundo afora. O episódio foi tão icônico quanto o da morte de Floyd, mas, aqui, não há manifestações nem cobrança por justiça. Silêncio é a opção que privilegia a impunidade e reforça o racismo estrutural.
Aqui, vidas negras não importam — ou não fazem diferença —, embora sejam 54% da população brasileira. Balas perdidas, disparadas por policiais, são encontradas em corpos de crianças negras. Mas elas também não importam. Para o racismo estrutural, nutrido pela indiferença, a morte precoce de crianças e jovens negros significa “cortar o mal pela raiz”. Sim, pois o povo afro-brasileiro é invisível ao poder público.
Em 2019, ocorreram 4.971 óbitos violentos de crianças e adolescentes — 75% eram negros, segundo o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com a colaboração do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O que ocorreu com os culpados? Uma resposta ainda foragida da opinião pública.
A indiferença não se expressa só na banalização da violência que suprime a vida de corpos negros. Ela ganhou dimensão também durante a pandemia do novo coronavírus, que deu contornos mais fortes às desigualdades socioeconômicas existentes no Brasil. Embora seja a maioria da população, a imunização de pretos e pardos é duas vezes menor do que a dos não negros. No ano passado, só em São Paulo, o número de negros mortos pelo vírus chegou a 25% ante 11,5% de brancos entre as vítimas da covid-19.
Diante de tamanha diferença, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) cobrou do Ministério da Saúde, em 30 de março último, ações antirracistas para o acesso de todos ao sistema público e, sobretudo, à vacinação contra o novo coronavírus. Até aquela data, 3,2 milhões de não negros receberam pelo menos a primeira dose de vacina contra 1,7 milhão de pretos e pardos. Como Floyd, os afro-brasileiros não conseguem respirar, pois o racismo estrutural os asfixia com os joelhos sobre a garganta. Mas faltam-lhes ar desde muito antes da pandemia.

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