OPINIÃO

Artigo: Tempos muito estranhos

Correio Braziliense
postado em 27/04/2021 06:00

Por ANDRÉ GUSTAVO STUMPF — Jornalista

Índios brasileiros se manifestaram nos últimos dias a respeito da política de preservação do meio ambiente no país. Todos foram unânimes na crítica ao governo. Tiroteio pesado. Mas ninguém viu manifestação alguma dos índios norte-americanos que foram devastados, derrotados, humilhados e vivem hoje dentro de reservas. Nem entrevistaram Ted Turner, empresário importante, criador da CNN, ex-marido da Jane Fonda, que é o maior criador de bisões nos Estados Unidos. O animal era a proteína básica na alimentação dos nativos. A cavalaria, sob o comando do general Sherman, dizimou os animais para vencer a guerra contra Touro Sentado (Sitting Bull) e Cavalo Doido (Crazy Horse).

A Cúpula do Clima, organizada pelo presidente Joe Biden, foi imaginada como um lance de propaganda, combinada com ações de política externa. O chefe do governo dos Estados Unidos recuperou a iniciativa da defesa do meio ambiente em todo o mundo, recolocou o país no Acordo de Paris e passou a pedir maior colaboração de diversos países, entre eles o Brasil, com seu eterno problema chamado Amazônia. É fácil falar da floresta tropical. Ela é enorme, mais de cinco milhões de quilômetros quadrados. Praticamente a Europa Ocidental inteira cabe naquele espaço. Colocar três mil soldados para defender as árvores é iniciativa ridícula. Há enorme desproporção entre a realidade e a tímida tentativa de defender o verde.

O presidente Bolsonaro cumpriu seu papel no encontro de boas intenções ambientais. Ler o texto escrito por diplomatas profissionais facilitou as coisas. Ele falou o que Biden queria ouvir. Não provocou representantes de outros países, não deu conselhos, mas quase genuflexo, humilde, alertou seus colegas de que precisaria de dinheiro para poder cuidar da floresta. Nem especificou a quantia, mas o ministro Ricardo Salles avançou a pedida: um bilhão de dólares suficientes para formar milícias — sempre elas — destinadas a combater o contrabando e a derrubada ilegal de madeira.

O Brasil apareceu ao mundo de chapéu na mão. Mendigo internacional. A Amazônia não merece tamanho desprezo, nem humilhação desse tamanho. Empresários norte-americanos, do porte de Henry Ford e Daniel Ludwig, desmataram à vontade. Criaram projetos fabulosos, faraônicos, enlouquecidos e terminaram por criar enormes favelas na maior floresta tropical do mundo. No Amapá, uma empresa multinacional esburacou a Serra do Navio. Quando o minério acabou, os técnicos foram embora, os investidores sumiram. Deixaram o buraco. É uma discussão esquisita. De repente, o presidente dos Estados Unidos passa a fazer esforço pela defesa do meio ambiente.

A reconversão talvez se explique como expiação da culpa por ter jogado duas bombas atômicas contra população civil, Hiroxima e Nagasaki, em agosto de 1945. Curioso é que os chamados intelectuais brasileiros dirigiram carta a Joe Biden sugerindo que ele não se entenda com Bolsonaro. Não sei qual é o grau de importância da missiva junto ao presidente dos Estados Unidos. Mas é uma claríssima demonstração de espírito colonizado. Reclamar no Reino sobre os malfeitos produzidos pelo governante da província. A atitude é fazer corar frade de pedra. O presidente não perdeu tempo. Cortou no Orçamento federal verbas essenciais na área do meio ambiente. Com uma penada, desmentiu o pronunciamento. Não é razoável escrever o que ele diz.

Mas a nuvem tóxica que paira sobre o Brasil provoca reações inesperadas, completamente fora da curva. O Supremo Tribunal Federal tem produzido cenas formidáveis, debates violentos, agressivos, que geraram hermenêutica inesperada. Depois de cinco anos da tramitação dos processos contra o ex-presidente Lula, os ministros descobriram que a ação não poderia ter começado em Curitiba. Dito isso, anularam todos os atos.

E livraram o ex-presidente das acusações. Tudo vai começar de novo. Não bastasse essa estranhíssima decisão, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a Operação Lava-Jato provocou o desmantelamento de importantes setores da economia brasileira, como petróleo e gás, indústria naval, construção civil, metal mecânica, engenharia pesada, programa nuclear, além de prejuízos vultosos e desemprego em larga escala. Até as gravações feitas por hackers devem ser consideradas, embora tenham sido obtidas por meio ilícito. Ou seja, o combate à corrupção prejudicou o país. Não a corrupção em si. O ministro Roberto Barroso disse, olhando para as câmeras da TV Justiça, que seu colega acha que o crime compensa.

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